Capítulo 69

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Entre os gêmeos reinava a discórdia. No almoço chegavam até uma hora de diferença. Percebi que Charlie estava desgostosa. Pouco comunicativa e emburrada, e, como se tornara costumeiro nos últimos tempos, bebendo demais. Robin dizia não saber de nada, mas eu desconfiava que ela me escondia alguma coisa.

Na segunda-feira cheguei mais cedo ao Lyceum, e encontrei as janelas abertas na sala da Vanessa e Lauren ajeitando peônias num vaso branco. Parecia ter perdido cinco ou seis quilos, o que não era nada para alguém do tamanho da Lauren. Mesmo assim notei o emagrecimento, no rosto e nas mãos; não foi aquilo, e sim outra coisa, indefinível, que a modificara desde que nos encontramos pela última vez.

Vanessa e ela conversavam - em latim chistoso, pedante, ferino - como se fossem dois padres ajeitando os paramentos antes da missa. Um cheiro forte de chá pairava no ar.

Lauren ergueu os olhos.

- Salve, amice -, ela disse, e por um instante seu jeito rígido deu lugar a uma sútil satisfação, notável em alguém tão reservada e distante. - Valesne? Quid est rei?

- Você parece estar bem -, disse-lhe, e era verdade.

Ela inclinou ligeiramente a cabeça. Seus olhos, embaçados e dilatados quando estava doente, agora brilhavam no tom mais claro possível do verde.

- Benigme dicis -, ela falou. - Eu me sinto muito melhor.

Vanessa limpava os últimos pães e geléias da mesa - ela e Lauren haviam tomado café da manhã juntas, a julgar pela mesa uma bela refeição - e ela riu, dizendo algo que não entendi, uma citação ao estilo de Horácio, a respeito de a carne ser boa para os sofredores. Alegrei-me em vê-la serena, brilhante como antes. Inexplicavelmente, ela se afeiçoara muito a Dakota, mas as emoções fortes a desagradavam, é uma demonstração de sentimentos, normal para os padrões modernos, para ela pareceria exibicionismo chocante. Eu tinha certeza que a morte da Dakota a afetara mais do que demonstrava. Mas suspeito que a indiferença alegre, socrática, da Vanessa em relação aos fatos da vida e da morte impedia que ela se sentisse muito triste por muito tempo.

Robin chegou, depois Christian; nada da Charlie, provavelmente estava na cama de ressaca. Sentamo-nos em torno da mesa grande.

- E agora -, Vanessa disse quando todos se calaram, - espero que estejamos todos prontos para abandonar o mundo fenomenológico e entrar no sublime.

Agora que aparentemente estávamos a salvo, uma imensa sombra deixou de encobrir a minha mente; o mundo parecia um lugar fresco e maravilhoso para se viver, verde e receptivo e inteiramente novo. Saía sempre para dar longos passeios, sozinha, até o rio Battenkill. Apreciava sobretudo um pequeno armazém caipira em North Hampden para comprar uma garrafa de vinho, e perambular pela margem do rio enquanto bebia, passando o resto da tarde embriagada pelos caminhos gloriosos, ensolarados, quentes - pura perda de tempo, claro. Eu me sentia livre, e minha vida, que imaginava perdida, se estendia indescritivelmente preciosa e doce diante de mim.

Numa dessas tardes passei perto da casa da Lauren e a vi no quintal, preparando um canteiro de flores. Usava seu traje de jardinagem - calça velha, camisa enrolada até acima do cotovelo - e no carrinho vi mudas de tomate e pepino, caixas de mudas de morangos e girassol e gerânio vermelho. Três ou quatro roseiras, com raizes dentro de sacos, se enfileiravam contra a cerca.

Passei pelo portão lateral de acesso. Estava muito bêbada.

- Olá, olá, olá -, falei.

Ela parou e apoiou o corpo na pá. Seu nariz brilhava, um pouco vermelho do sol.

- O que está fazendo? -, perguntei.

A História Secreta - CamrenOnde as histórias ganham vida. Descobre agora