Capítulo 68

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Para lerem esse maravilhoso capítulo que vai ser grandinho, recomendo que escutem "The Greatest" da Lana Del Rey.

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Embora Dakota não tivesse conhecido muita gente em Hampden, a universidade era tão pequena que quase todos sabiam quem ela era, de um modo ou de outro; as pessoas sabiam seu nome, a conheciam de vista ou se lembravam do som de sua voz, que talvez fosse a característica mais marcante de todas. Curioso, apesar de ter guardado alguns retratos da Dakota, não foi o rosto, mas sua voz, a voz perdida, que permaneceu comigo com o passar dos anos - estridente, insistente, anormalmente ressonante, que, uma vez ouvida, não era esquecida com facilidade. Nos primeiros dias após sua morte, os salões de jantar tornaram-se estranhamente quietos, sem seus tremendos berros a ecoar no seu lugar habitual, perto da máquina de leite.

Era normal, portanto, que sentissem sua falta, até que a pranteassem - é penoso quando alguém morre numa escola como Hampden, onde estávamos tão isolados, tão forçados a conviver. Surpreendeu-me, todavia, a demonstração generalizada de pesar que ocorreu quando seu falecimento tornou-se oficial. Pareceu-me não apenas gratuito, mas até vergonhoso, dadas as circunstâncias. Ninguém se importara muito com o desaparecimento, nem mesmo no final da busca, quando já se esperava que as notícias, quando surgissem, seriam ruins. Para o público, a busca não passou de uma inconveniência descomunal. Mas, com a divulgação da notícia de sua morte, as pessoas se comportaram de modo frenético. Todo mundo, de repente, a conhecia; todos ficaram arrasados de dor; todos iam tentar superar aquilo e levar a vida adiante, que jeito. "Ela teria desejado que fosse assim." Ouvi a frase a semana inteira, na boca de gente que não tinha a menor ideia do que Dakota desejava.

Hampden College, como um todo, sempre se mostrou estranhamente inclinado à histeria. Por isolamento, malícia ou simples tédio, as pessoas eram muito mais crédulas e excitáveis do que as pessoas instruídas costumam ser, e a atmosfera hermética, superaquecida, criava um cenário formidável para o melodrama e a distorção.

Revendo isso, senti que em alguns aspectos cometi uma injustiça para com Dakota. As pessoas gostavam dela. Ninguém a conhecera muito bem, mas, por um estranho traço de sua personalidade, quanto menos alguém a conhecia, mais pensava que a conhecia. Vista à distância, projetava uma impressão de solidez de personalidade, de integridade que, no fundo, era tão pouco substancial quanto um holograma; de perto, ela era poeira no raio de luz, a gente podia passar a mao através dela. Se a pessoa recuasse o bastante, contudo, a ilusão de recompunha, e lá estaria ela, mais real do que na realidade, apertando os olhos por trás dos óculos pequenos, afastando uma mecha de cabelo com uma das mãos.

Uma personalidade assim se desintegra quando analisada. Só pode ser definida pela anedota, pelo encontro fortuito ou pela frase entreouvida. As pessoas com as quais jamais dialogou de repente se lembravam, com uma pontada de afeição, de a terem visto atirando um pau para o cachorro pegar ou roubando tulipas do jardim de um professor.

Era essa irrealidade da sua imagem, esse ar de personagem de quadrinhos, por assim dizer, o segredo de seu encanto e o motivo que, no final das contas, tornou sua morte tão triste. Como uma grande comediante, ela contaminava o ambiente onde quer que aparecesse; para gozar sua constância, a gente desejava ver ela nas situações mais esquisitas: Dakota andando de camelo, Dakota cuidando de um bebê, Dakota no espaço sideral.

Quando a neve finalmente derreteu, sumiu depressa como surgira. Em vinte e quatro horas não era mais vista, exceto por pequenos trechos adoráveis, na sombra da floresta - ramos enfeitados de branco, pingando no solo - e nos montes cinzentos à beira da pista.

Foi uma época estranha, fragmentada. Nos dias anteriores ao enterro, não nos vimos muito. Os Corcoran carregaram Lauren com eles na volta para casa;  Ashley, à beira de um colapso nervoso, hospedou-se sem ser convidada no apartamento dos gêmeos, onde bebia vodka pura e dormia no sofá com o cigarro aceso na mão. E eu me distraia com Ariana Grande e suas amigas Elizabeth e Taylor. Na hora das refeições elas passavam para me pegar ("Camila", Ariana dizia, estendendo a mão por cima da mesa para pegar a minha, "você precisa comer") e no resto do tempo eu vivia prisioneira dos programas que arranjavam para mim - filmes nos cinemas drive-in, comida mexicana, visitas ao apartamento de Elizabeth para tomar margaritas e assistir à MTV. Eu não suportava nada daquilo.

A História Secreta - CamrenWhere stories live. Discover now