Vinte e quatro

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— Preciso te contar tudo, Juls. — murmurou ela, tão baixinho que Juliana precisou se aproximar para entender o que estava sendo dito — Foi lindo e fascinante.

As palavras foram formuladas com grande dificuldade, como se pesassem o mesmo que um bloco de concreto. Por isso, Juliana se limitou a percorrer as linhas do nariz e dos lábios de Valentina com as pontas dos dedos, numa tentativa inconsciente de decorar suas formas.

— Você me conta amanhã, tudo bem? Agora, tente descansar.

Valentina franziu o cenho, como se fosse protestar, mas acabou desistindo diante de sua própria dificuldade para falar. Então, apenas assentiu com um movimento lento de cabeça. Satisfeita, Juliana lançou um sorriso reconfortante na direção dela e passou a acariciar as mãos pálidas, com a tranquilidade de quem não acredita que o tempo realmente exista fora dos relógios. Val, em resposta, permitiu que os cantos dos lábios se erguessem em uma expressão angelical, até que as carícias a mergulhassem em um sono profundo e sereno.

Assim que se certificou que a namorada tinha dormido, Juliana parou de segurar as lágrimas silenciosas que trancavam sua garganta. Era um choro de tristeza, desespero e frustração.

Após uns poucos minutos de reflexão, virou sua cabeça para trás. Um Camilo recuado — meio culpado, meio consternado — as observava encostado ao batente da porta da frente.

— Precisamos conversar. — sibilou Juliana, em um tom bem menos amigável do que o que tinha usado para falar com uma Valentina quase adormecida instantes atrás.

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Juliana fechou a fina porta sanfonada que separava a cozinha de Camilo do resto da casa, numa tentativa pífia de que Valentina não ouvisse a conversa. Era inútil, é claro. O cômodo tão estreito quanto um corredor reproduzia um eco trêmulo, capaz de escapar para a sala em um piscar de olhos. Era, contudo, o mais elaborado que podiam fazer.

A estilista cruzou os braços e fuzilou o amigo com os olhos castanhos.

— Por que fez uma regressão? — vociferou ela.

— Porque ela quis, Juliana. — respondeu Camilo. Não estava sendo evasivo de propósito. Parecia muito cansado — Valentina é uma adulta, e muito obstinada, por sinal. Estava se sentindo mal há tempos, com ou sem regressão. Não faria diferença. Além do mais, ela teria voltado ao passado sozinha, e os efeitos colaterais seriam ainda maiores.

— Ela estava se sentindo mal, mas não assim. Não desmaiada no sofá. — retrucou Juliana — A Val fica na sua casa porque concordamos que ela precisava de supervisão e cuidados enquanto buscamos por respostas sem expô-la a novos riscos, Camilo!

— Bem, acontece que não estamos encontrando resposta alguma. — disse o homem, mantendo a tranquilidade — Já está mais do que claro para mim que o passado é a única forma de solucionarmos esse enigma no presente. Por exemplo, nas visões desta noite, tivemos um indício de que os poucos registros sobre Daniela podem se dever ao fato de que ela se tornou persona non grata na Revolução. Demoraríamos muito tempo para chegar a essa conclusão sem as regressões.

Juliana colocou as mãos na cintura. Sabia que havia um fundo de verdade no argumento, mas se recusou a admitir.

— Eu posso fazer a regressão no lugar dela, se for o caso. Só não aguento mais ver minha namorada sofrendo assim. — desabafou a morena.

— Podemos tentar, Juliana. O único problema é que toda essa história começou espontaneamente com Valentina, e não acho que ela vá melhorar até chegarmos ao fim disso. — pontuou Camilo — Acredite, eu sei que é muito difícil para você, mas há razões pelas quais vocês são predestinadas e motivos pelos quais Valentina foi a escolhida para desvendar esse mistério. Tenha um pouco mais de paciência.

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