— Daniela chorou? — perguntou Isabel, sem conseguir disfarçar o choque. Estava surpresa porque Dani, sua Dani, não era do tipo que chorava. Ao mesmo tempo, sentia-se terrivelmente angustiada por ter sido ela a responsável por essa reação.

— Quase. Ou praticamente, não sei. — disse Sofía — Ela estava à beira das lágrimas quando se levantou, nos agradeceu e... foi embora.

Então era isso. Estava acabado. Daniela tinha partido, sabe-se lá para onde. Isabel sabia que tinha tomado a atitude responsável, mas a certeza não foi o suficiente para impedir que as lágrimas inundassem seus olhos novamente.

— Você devia ter ido conversar com ela pessoalmente. — pontuou Sofía, mantendo um tom cauteloso, como se pisasse em falso.

— Eu sei. — respondeu Isabel, falando com dificuldade enquanto chorava — Eu não tive coragem.

— Ela teria aceitado o bebê. — despejou Sofía — Ela disse isso, enquanto ameaçava vir aqui matar o Pedro e todos os latifundiários da região para te levar embora.

— Não tenho dúvidas. — disse Bel, desviando o olhar para a janela.

— Por Deus, Isabel! Se você sabe que ela ia aceitar a criança, então pode me explicar o que aconteceu? — questionou Sofía, irritada como quem tenta compreender um enigma insolúvel.

— Você acha que seria justo, Sofía? — explodiu Isabel — Acha que seria uma situação justa com Daniela? Com o restante do grupo dela? Com a Revolução? Com o próprio bebê? Ou até mesmo com seu irmão? Seria justo para alguém que não seja eu?

— A vida não precisa ser justa, Isabel! — rebateu Sofía — É uma circunstância complicada, é claro, mas se vocês duas estavam dispostas a fazer funcionar, qual é o problema?

— O problema é que nós não somos as únicas afetadas por essa decisão. — devolveu Isabel — Uma criança seria um atraso para o acampamento de revolucionários. Eles precisam estar sempre prontos para fugir, para lutar e para morrer, Sofía. Como se faz isso com um recém-nascido? Acha que eles terão paciência ou misericórdia com um filho de Pedro Vega e neto de Francisco Carvajal? E o bebê? Acha que ele ou ela pode crescer sem ter uma casa ou qualquer segurança? Que há condições para que se torne uma pessoa feliz e saudável crescendo como nômade, debaixo de tiros, numa Revolução que odeia a família dele ou dela?

Sofía permaneceu em silêncio. Isabel aproveitou a brecha para continuar a falar.

— Daniela pode aceitar o bebê hoje, mas e amanhã ou depois, quando meu filho atrapalhar o compromisso dela com a Revolução? Eu a amo, Sofía. Com cada centímetro do meu corpo, com todos os meus pensamentos, com todo o meu coração. Por isso, eu jamais a colocaria numa encruzilhada dessas, tendo que escolher entre nossa família e os ideais dela. Jamais.

Quando terminou, Isabel estava chorando com toda a violência que moldou o mundo.

— Se quer minha opinião, você está ateando fogo ao seu próprio corpo para que outras pessoas não morram de frio num inverno que talvez nem venha. — respondeu Sofía, cruzando os braços — E eu não concordo com isso. Não posso apoiar que você sacrifique sua felicidade por...

— Não quero ser ríspida, Sofía, mas sinceramente? Se você não pode apoiar, não apoie. — cortou Isabel, com uma agressividade que nunca tinha usado antes — A minha decisão está tomada, e Dani já partiu. Está feito.

Sofía encarou a amiga, inconformada com o desfecho anticlimático da história de Isabel e Daniela. Decidiu encerrar o assunto para evitar uma discussão. Então, em silêncio, se aproximou de Bel e a abraçou, sem pressa para se afastar.

-

Os dias caminharam em um ritmo lento que acompanhava a melancolia de Isabel. A jovem passou a existir mecanicamente, executando tarefas por obrigação. Tinha perdido totalmente o ânimo e a motivação. Antes de Daniela, era possível atravessar aquela rotina vazia e sem sentido com um sorriso no rosto, em um teatro que parecia obrigatório para todas as mulheres. Agora, era inviável. Tinha descoberto que a vida podia ser mais do que andar em círculos, e que existia um universo além do horizonte pífio e limitado prometido à ela desde que nasceu. Era impraticável retornar à sua casa com telhado baixo depois de ter se dado conta da amplitude do céu.

Desafiando seu desinteresse pelo futuro, a gestação seguia seu curso. Isabel logo percebeu os quadris mais largos, os seios inchados e a boca que salivava em desejos incontroláveis sempre que avistava carne vermelha. Também experimentava terríveis enjoos matinais, como se estivesse constantemente balançando em um barco à deriva no meio da tempestade emocional que tomou seu coração.

Pedro, ao menos, a estava tratando com decência, como se finalmente a enxergasse como um ser humano passível de respeito. Nem encostava nela, desde que ela disse que o cheiro dele a enjoava — o que já era verdade muito antes da gravidez. E todas as noites, quando a via chorando convulsivamente por Daniela, não fazia nenhuma pergunta inconveniente e até afagava seu ombro, numa espécie de consolo. Achava que a esposa estava afundada em tristeza por culpa da histeria causada pela gestação.

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Numa manhã de sábado, Sofía encontrou Isabel sentada à mesa da cozinha, com um olhar vazio e perdido. Tamborilava sobre o tampo de madeira, em nenhum ritmo em particular.

— Ei, você viu que os homens estão correndo para lá e para cá? — perguntou Sofía, alarmada, caminhando até a janela — O que será que está acontecendo? O Pedro já saiu?

— Saiu cedo. — se limitou a responder Isabel, sem tirar os olhos dos próprios dedos.

— Você não está curiosa para saber o que aconteceu? — questionou Sofía, girando os calcanhares na direção da cunhada — Por Deus, você sempre está curiosa para saber o que aconteceu!

Isabel deu de ombros.

— Não me importo. O que quer que tenha sido, nunca nos contam de qualquer forma.

— Meu amor, estou preocupada com você. — disse Sofía, se aproximando e colocando as mãos na cintura — Já se passaram mais de duas semanas. Você precisa começar a reagir!

Isabel a encarou, com os olhos cobertos por uma poça rasa de lágrimas. Então, sem dizer uma palavra, se levantou e desapareceu no interior da casa.

Sofía levou as mãos ao rosto e respirou fundo. Não sabia mais o que fazer para salvar Bel da nova versão de si mesma, que falava e comia pouco. Tentou dar algum espaço para que sua amiga se permitisse sentir sua própria tristeza, na esperança de que o luto pelo relacionamento perdido se dissipasse com o passar dos dias. No entanto, a depressão de Isabel só se aprofundava mais e mais a cada vez que o sol nascia.

Alguém bateu três vezes na porta que ligava a cozinha ao jardim, arrancando a herdeira mais nova dos Vega de seus pensamentos. Ela abriu imediatamente, e deu de cara com Marena. Sentiu seu coração pesado se desanuviar no mesmo momento.

— Oi. Preciso muito conversar com você. — disse Marena, sem rodeios, com uma urgência que ligou todos os alertas de Sofía.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou a loira, puxando a irmã de Isabel pela mão e batendo a porta.

Marena andou em círculos e coçou o próprio queixo, como se não soubesse bem o que dizer.

— Mataram um latifundiário. Outro dos amigos de Pedro. — começou ela, por fim — Foi Daniela. E na fazenda vizinha.

Conocerás tus sueñosWhere stories live. Discover now