Para o desgosto de Croune, decidiram partir de Balboder na calada da noite. Para evitar que os moradores percebessem a partida daqueles estranhos, Vanguelb preferiu sair de forma furtiva, no horário que todos estavam dormindo. Acampariam mais adiante, a alguns quilômetros de Balboder.
Só que Croune não aguentava mais ficar de olhos abertos. O ar noturno estava frio e os pelos de seu corpo se eriçavam sempre que aquele ventinho sorrateiro soprava em sua pele. No momento, estava agarrado ao casaco marrom de Vanguelb, pestanejando, bocejando e com a cabeça tão pesada que tinha a convicção de que ela, de quando em quando, pendia para um dos lados sem o seu consentimento. E, para completar, o andar daquele cavalo era como as mãos de uma mãe embalando um berço.
Guepardo do Norte cavalgava ao lado deles, o capuz sobre a cabeça e apenas uma das mãos segurando as rédeas. Viu Croune cambalear para um dos lados e despertar com um susto.
– Onde conseguiu os machucados? – perguntou.
– Caí do cavalo quando um gigante nos atacou na floresta... – respondeu Croune. Bocejou com vontade. – ... O Erioque e eu caímos.
Se não estivesse com tanto sono, teria o prazer de relatar todo o acontecimento daquele dia na floresta.
– Está doendo?
– Um pouco... Na verdade dói bastante, mas só quando eu mexo os braços ou a perna esquerda.
Uma brisa soprou e Croune tremeu outra vez. O ar, além de se mover com um frescor exagerado, trazia os sons peculiares de uma noite em meio ao campo: grilos cantavam e rãs coaxavam ao longe, perto de algum lago ou banhado oculto na noite. O barulho dos cascos dos cavalos também se elevava compassadamente.
– Acho que nos afastamos bastante – disse Artenon a Vanguelb. – Estamos todos muito cansados.
Vanguelb virou a cabeça como se fosse olhar por cima do ombro e voltou os olhos para frente, sem dizer nada.
Pararam minutos depois, desmontando dos cavalos perto de uns rochedos baixos, que seriam suficientes para proteger a fogueira do vento. Croune negou o alimento oferecido por Vanguelb e praticamente arrastou-se até uma das rochas, onde se escorou e dormiu por não mais de quatro horas. Quando acordou, não pôde dizer que estava completamente descansado, mas sentia-se um pouco melhor. Na verdade, despertou apenas porque Vanguelb insistiu que deveriam partir cedo, o que não era nenhuma novidade. A vantagem é que não fora acordado pelo despertador em forma de bico de bota. Não comeu mais do que um pedaço de pão escuro e um bolo de carne. Tentou beber um pouco de água, mas antes do terceiro gole seu odre esvaziou.
– Por onde andou escondido esses anos todos? – perguntou Artenon a Guepardo do Norte. Os cavalos de ambos seguiam lado a lado sob o sol agradável do alvorecer.
– Alguma vez ouviu falar na Terra do Descanso? – perguntou Guepardo.
– Nunca.
– Fica perto de Rélivan.
– Ouvi falar de Rélivan, algumas vezes. Um lugar pequeno, no Norte.
Guepardo concordou com a cabeça.
– A Terra do Descanso é ainda menor – disse. – Também é conhecida como a Casa dos Idosos. A maioria dos moradores são pessoas velhas. Se algum idoso quer aproveitar seus últimos anos de vida em um lugar calmo, não há melhor opção que a Casa dos Idosos. Não tem muito o que se fazer, mas é um lugarzinho bem interessante para quem gosta de tranquilidade. Também é um ótimo local para se esconder. Foi para lá que meu pai fugiu quando Shenack ordenou sua morte.
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O Receptáculo de Téldrin
FantasíaSINOPSE: Croune Wilan é um garoto pobre, de 11 anos, que mora em um pequeno e excluído vilarejo chamado Quiriate. Sua vida é simples e se divide em brincar com os amigos e ajudar seu pai na Untuárica Wilan. Mas quando Guilbor Spartex, o gentil homem...