25 - Erioque Conta uma História

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Na manhã da partida, Croune colocou o Receptáculo dentro da mochila de couro e depositou o saquinho com o colar e as duas moedas de bronze em um dos bolsos laterais. Evitou as roupas que Vanguelb lhe comprara dias atrás, dando preferência às peças velhas que trouxera consigo de Quiriate. Girou duas vezes a espada no ar, antes de colocá-la na bainha e prendê-la ao cinto.

Entre as despedidas de Croune, a daquela manhã foi a mais difícil. Em frente ao palácio, no centro do belo jardim florido, ajoelhou-se no chão e abraçou seu fiel amigo Lux. Seus olhos não conseguiram esconder a tristeza que sentia ao deixar outro pedaço de Quiriate para trás.

Segurou a cabeça de Lux com as duas mãos e fitou o olhar desentendido do cão, que balançava a cauda desgovernadamente, meia língua de fora. Estava preso por uma coleira de couro, e um dos servos do rei segurava a corrente que o prendia.

Croune lhe abraçou uma segunda vez e quando o solto, Lux saltou e começou uma seção de lambidas. Croune caiu de costas em meio à risadas e piscou quando a língua úmida lambuzou seu olho esquerdo.

– Sentirei saudades! – disse uma última vez.

O servo começou a se afastar e Lux seguiu a seu lado, sem olhar para trás. A última cena presenciada por Croune no jardim o fez abrir um sorriso. Lux parou, cheirou um grupo de azaléias e ergueu a perna para esvaziar a bexiga nas belas flores do rei.

Ao nascer do Sol, encontraram Artenon no portão leste. O comandante, um homem de cabelo curto e ligeiramente grisalho, estava sobre sua montaria, olhando para o horizonte, pensativo. Uma das mãos segurava as rédeas, a outra alisava o pescoço do cavalo baio.

Vanguelb ajeitou a espada na cintura e colocou alguns sacos com mantimentos nos alforjes. Conferiu o restante da bagagem para ter certeza de que nada despencaria no caminho, enfiou o pé no estribo e saltou para cima do cavalo. Croune posicionou-se na garupa e antes que o impaciente velho iniciasse alguma reclamação, um enorme cavalo surgiu no portão.

O bicho era quase duas vezes mais largo que qualquer cavalo normal e sua altura beirava a de um camelo adulto. Crinas escuras e compridas cobriam o pescoço acinzentado. As patas eram proporcionais ao seu tamanho: grandes e fortes. Acima das patas havia um acúmulo maior de pelos, os quais cobriam boa parte dos cascos.

Erioque estava sobre ele, um semigigante aterrador à primeira vista. Era tão alto que quase excedia o tamanho de duas pessoas de estatura mediana. Seu cabelo escuro era estilo moicano e uma barba escura rodeava o rosto protuberante. Os desproporcionais braços nus e bronzeados exibiam as linhas de uma musculatura definida. Quando cruzou por eles, resmungando alguma coisa que ninguém entendeu, Croune viu em suas costas, logo abaixo do pescoço, um suporte com ganchos brotando da grossa couraça, o qual suportava um instrumento de ferro, muito parecido com uma marreta.

– Não fique amedrontado, garoto – disse Artenon, percebendo o olhar acuado de Croune. – Este é um sairatem. O animal é amedrontador à primeira vista, no entanto é mais dócil que qualquer cavalo adestrado.

Erioque parou e olhou por sobre o ombro.

– Ele se chama Cascos de Ferro, pequena criança – roncou a voz do semigigante. – Além de forte, é o animal mais inteligente que já conheci.

– Pelo menos um dos dois tem que saber usar a cabeça – intrometeu-se Vanguelb, ultrapassando ele com seu cavalo. – É uma pena que o inteligente sirva de montaria e ande sobre quatro patas.

Erioque resmungou. Sacudiu as rédeas e passou de sobrancelhas franzidas por Vanguelb.

– Muito engraçado, velho caduco! – falou. – Muito engraçado!

O Receptáculo de TéldrinWhere stories live. Discover now