Capítulo Um (Os anjos de Julieta)

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Don't you remember

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Don't you remember

You once knew a boy,

You loved him more than the world.

(Golden Lights, The Smiths)


🎭


Roseville, 2008

O parque de diversões deixou a cidade.

Pela primeira vez em anos, as luzes bonitas e sorrisos infantis que enchiam Roseville de alegria não estavam mais ali. Não havia crianças felizes com seus prêmios de consolação, muito menos casais de mãos dadas trocando olhares afetuosos na fila para a roda-gigante. Existia apenas o vazio e a terra batida do lugar que em algum momento esteve cercado de boas lembranças.

Ainda me recordava com exatidão disso tudo, mesmo depois de todos aqueles anos distante de Roseville, como se minha mente tivesse fotografado e memorizado de maneira microscópica todas as partes daquele lugar antes de ir embora.

Era verdade o que me diziam, a cidade havia mesmo parado no tempo.

O cinema Hook continuava com a mesma fachada antiga, com letreiros em acrílico que anunciavam algum filme que há meses já não estava mais em cartaz, assim como a placa decorativa no topo da construção, brilhante com seu azul elétrico, que via pelas janelas do quarto. E que por muito tempo foi o mais perto que estive das luzes mágicas de uma cidade grande. O hotel Breakers Beach havia perdido a tonalidade azul Tiffany das paredes externas, dando lugar ao tom de laranja Siena suntuoso que parecia muito mais bonito e requintado naquela luz de sol poente.

A maresia tinha, sutilmente, corroído a parte frontal de uma boa parcela dos casarões em Sunset Ville, deixando-os com um aspecto atemorizante de abandono, embora alguns vestígios de existência humana ainda pudessem ser facilmente percebidos; como um jardim de calêndulas bem cuidadas tomando à frente de uma delas, um carro estacionado diante do muro de pedras elevado e uma placa de venda recém-instalada, com os números ainda brilhando em verde vivo.

O cheiro típico de mar, da ressalga de cidade litorânea, ultrapassava a blindagem segura dos vidros parcialmente baixos, com a aproximação repentina do carro pela área costeira, trazendo o cheiro em uma brisa áspera, como perfume de adolescência; e a cintilação do Sol, refletida gentilmente pelas ondas, faiscando, zunindo sobre o que parecia, em uma distância relativamente pequena, um mar ardendo em chamas era o recorte de uma cena vista tantas vezes antes, similar a uma projeção inalterada sobrepondo a realidade.

Mas o gosto residual em minha boca só denunciava uma ressaca óbvia, o resultado desastroso da noite passada e da tentativa de calar meus próprios sentidos madrugada adentro em algum bar vagabundo nos confins de West Hollywood. Sinto a acidez de minha bílis subindo pelo meu esôfago depois de ter aniquilado um desespero silencioso que agora dava sinais claros de retorno. O mesmo sabor familiar de inferno.

BADLANDS • JK.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora