Capítulo Vinte e Dois (Despencando das portas do paraíso)

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Nothing in the world belongs to me,

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Nothing in the world belongs to me,

But my love, mine, all mine, all mine

— My Love Mine All Mine, Mitski


🦋


Roseville, 1996

Eu nunca estive lá. Nunca tinha visto o sorriso dele tão de perto ao ponto de notar a pequena fissura charmosa em seu dente frontal que não alterava a perfeição do sorriso naturalmente alinhado, nunca havia escutado sua risada tantas vezes ao passo decorá-la e reproduzi-la em minha mente infinitas vezes, tão pouco me dado ao luxo de observar atentamente aos seus detalhes bonitos, engolidos por minhas obsessões meticulosas; como a cicatriz marcada na lateral do rosto e o seu formato sutil de raio partido que mirou o céu dos olhos e errou o alvo, — ponderava, sozinha, se a eletricidade ainda habitava o corpo —, a estridência do seu cheiro masculino impregnando o tecido do dossel, o cardigã emprestado e meu pijama de motivos florais, a orelha adornada de brincos e o movimento hipnótico de seus lábios ao pronunciar banalidades das quais me esforçava para dar algum sentido concreto dentro de minha cena onírica.

— Sua boca é tão gostosa... — ele disse. Sua voz, capaz de condensar as químicas do corpo, penetrou a pele como uma dose quente de entusiasmo garganta adentro, a carne do seu lábio tocando minha orelha, enquanto a frase chocava-se contra o meu tímpano com toda a expressividade suplicante do que queria me fazer sentir. O elogio, dotado de uma conotação quase sexual, parecia tão inédito para mim ao ponto de me causar uma mistura de orgulho e vergonha. Mal sabia o que estava fazendo com a minha própria boca, marinando minha timidez de uma adolescente inexperiente, e embora só repetisse seus movimentos como um mímico amador, atordoada e perdida em minha busca invisível, ainda era capaz de provocar nele algum sentimento.

O brilho das velas acesas cercavam um contorno dourado ao redor de sua silhueta na penumbra do quarto, respirávamos o tom úmido da noite e o calor do fogo reluzindo em pele úmida, um suor proveniente de uma ruminação de ardor que era exalado dos nossos poros, do hálito morno carregado de entusiasmo contido. Tudo parecia igualmente inflamável e silencioso.

Estava zonza de tanto beijá-lo. Entorpecida.

Lembro que a palavra se pendurou em minha mente naquela noite, rodopiando em meus pensamentos feito uma coreografia desritmada, quando tentei pensar em um adjetivo que incorporasse o sentimento de como havíamos nos mesclado em uma única e adorável criatura de almas atadas.

Eu queria questioná-lo sobre tudo; se alguma vez havia sonhado comigo, ou se meu rosto surgia em sua mente antes de ser devorado pelo sono, quando sua cabeça tocava o travesseiro. Nunca tive os atrativos que julgava necessários para despertar as fantasias de alguém, mas até mesmo a vaga ideia de uma visão idealizada minha preenchendo suas horas desperto evocavam uma euforia silenciosa por me sentir bonita e descobrir que todo e qualquer pensamento que ousasse me dizer o contrário, era somente uma mentira fabricada que costumava contar para a mim mesma.

BADLANDS • JK.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora