Capítulo Dezessete (Declínio mercurial decrescente)

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TW: (Menção à violência doméstica)

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TW: (Menção à violência doméstica)

Baby, I'll be like a wildflower,

I live on sheer willpower,

I'll do my best never to turn into something

That burns.

— Wildflower, Wildfire, Lana Del Rey


 🎭 


Roseville, 2008.

O parapeito da janela do meu antigo quarto ainda comportava o tamanho do meu corpo adulto, mesmo que meus pés continuassem suspensos para o lado de fora, sobre o telhado fulvo da varanda, manchados pelos amentilhos vermelhos que despencavam do velho Salgueiro, debaixo de uma bola de baseball esquecida, tranças cortadas de uma boneca antiga e das folhas secas de um Outono passado. O cenário ainda era um lugar confortável como antes, familiar. Minha casa, vista de fora, parecia com qualquer outra residência comum da rua, por dentro, era um santuário.

A Califórnia trazia uma brisa quente, áspera e seca, vinda do Mojave, quando o vento de Santa Ana arrastava fogo pelos véus da Costa Oeste, a densidade do ar queimava no calor catabático e enjoativo de Los Angeles, mas Cotton-Cape tinha aquela sensação alcalina nas correntes que transpassavam meu corpo quente, aliviando um queimor natural do sufocamento urbano.

Lambi a ponta do papel de seda, antes de colar a base e acender o cigarro malfeito, soprando a fumaça para o lado de fora. Deveria me manter limpa, aquela era a promessa da culpa: ficar sóbria. Sem as pílulas felizes, sem o álcool, sem a maconha. As merdas mais fortes já haviam sido cortadas. Mas dei a mim mesma a evasiva do reencontro, era mais fácil me enganar assim, não suportando aquela visita indesejada de um passado que continuava negando. Uma estranha estrelando um filme sobre uma vida que deveria ser minha.

James estava certo quando insinuava que eu acabava incendiando tudo por onde passava com meus rastros de fogo. Quando estava chapado, trazia a tona todo tipo de baboseira metafórica; a cocaína corria livre no corpo e libertava-o, lítio poético nas veias, as pupilas dilatadas como duas luas negras engolindo o Céu, encarando fixamente meu rosto, ocupando todo o espaço dos seus olhos azuis cruéis. Era uma temporada de estio constante que resultava em um desastre natural atroz; segredos como fagulhas em contato com pavios novos. Chamas altas devorando tudo pelo caminho, ávidas. E encolhido no chão do apartamento de Brentwood, — no meio das latas vazias e embalagens do Taco Bell —, os anéis de prata tintilando no copo apoiado contra o piso acarpetado, Jimmy repetia em voz alta feito profecia: algo em você é capaz de me queimar, mas no fundo eu acho que gosto disso.

BADLANDS • JK.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora