39

67 34 0
                                    

"Mamãe! Mamãe! Me socorre! Me ajuda mãe! Me salva, por favor!" ouvia Moyra, que estava deitada numa cama no meio de um lugar muito escuro. O corpo inteiro doía, como se tivesse corrido uma maratona sem nenhum preparo físico. Sentia-se cega naquela escuridão. Não conseguia ver nada ao redor de si, sequer seu nariz via naquele breu. Mas sentia que a cama onde estava era macia, tinha lençóis de linho. O colchão era confortável. Estava frio ali também, tinha uma forte corrente de ar, como se estivesse fora de uma casa. Aliás, tudo ali não aparentava ser sua casa, pois a luz do corredor sempre ficava acesa. Não lembrava de ter ido para um hotel ou coisa assim. Até que se lembrou que realmente não estava em casa, tinha ido para a delegacia contar tudo que tinha acontecido naquele dia, pois suas filhas tinham sido levadas.

"Mamãe! Socorro! Está doendo! Estou com fome e frio!" gritava mais forte a criança. Sons de choro no fundo fazia o coração de Moyra doer de tão apertado. Ela pôs a mão no peito e ficou encarando o escuro. Sua visão se acostumou um pouco mais e pode ver a cama onde estava. Certamente não estava em nenhum lugar conhecido. Levantou. Estava descalça, de camisola, mas não lembrava de ter levado mudas de roupa para a delegacia. Pisou em algo pontudo, que fez seu pé doer profundamente. Ergueu o pé e olhou o chão. Várias peças de brinquedos despedaçados feitos de madeira ou algo assim estavam espalhados. Ela deu mais alguns passos, dessa vez, arrastando os pés do chão para afastar os brinquedos ao seu redor. Parecia ser um quarto infantil. Moyra conseguiu chegar até uma mesa, onde haviam seis castiçais e apenas dois fósforos. Cada castiçal era diferente e possuía um par de velas.

Ela tinha de escolher um. Pegou o que estava mais próximo e acendeu as velas, percebendo que estava em um lugar muito estranho. As velas eram pequenas, e não durariam muito tempo naquele lugar. As chamas balançavam por conta da corrente de ar, mas não haviam janelas ali, quase como se fosse uma cela de masmorra. Moyra olhou os outros castiçais, tinham velas maiores do que o que estava usando e decidiu acendê-los usando as velas que já tinha. Sem sucesso. Era como se os fios estivessem envoltos com uma camada de borracha que não queimava. Tentou por mais alguns minutos. Nada.

O choro ficava cada vez mais forte e sofrido, fazendo Moyra se desesperar. Ela olhou ao redor de si, vendo que havia um espelho ao lado do guarda-roupas. Estava num quarto de criança, de fato. Olhou-se. Não estava usando nenhuma de suas camisolas. Se assustou consigo mesma, pois tinha enormes asas platinadas, que se moviam de forma involuntária. Eram tão grandes que arrastavam no chão. Via seus cabelos ficando mais vermelhos, como quando era criança. Seus olhos vibravam em uma tonalidade quase branca, feito duas luas. Não se reconhecia. Tocou seu próprio rosto enquanto encarava-se no espelho. Olhou para trás de si, sem ver suas próprias asas, que só apareciam no espelho. Moyra deu um pulo para trás, quase gritando, quando viu sua própria imagem apontando para um lado do quarto por onde ainda não tinha andado. A imagem de Moyra escreveu a palavra "ajuf". A mulher olhou por um momento, até lembrar que estava de frente para um espelho, decifrando a palavra, que estava ao contrário. Resolvendo aceitar o conselho de sua própria imagem deturpada, seguiu para o outro lado do quarto, onde havia uma porta aberta que dava acesso ao corredor.

"Mãe! Estou com muito frio! Me ajuda, por favor!" a voz da criança ficava cada vez mais nítida. A cada passo que Moyra conseguia dar, ela percebia que a corrente de ar frio estava ainda mais forte, quase fazendo um uivo. Naquele momento, era apenas um breve assobio, fraco, quase imperceptível se fosse levar em conta o choro alto. Finalmente estando do lado de fora, ela olhou para os dois lados do corredor, decidindo seguir a voz da criança e o choro constante. Lentamente, foi criando coragem e começou a correr quando viu, no fim do corredor, uma manta enrolada em algo que se movia. Pegou o que quer que fosse e quando tirou a manta parcialmente, viu um bebê pequeno, magricela, desnutrido, que chorava muito. Na manta, estava escrito seu nome "Moyra".

Kayara - Livro 1 [COMPLETA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora