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Após seu retorno para dentro do castelo nas mãos de Rain, Kayara desvaneceu completamente. Desacordada, porém ainda assim atenta, podia ouvir que seu caso era tão grave que talvez não acordasse nunca mais, apesar de continuar viva.

Como era de costume, a rainha só poderia ser tirada de seu governo quando tivesse seu primeiro filho como governante e este já tivesse idade para ir ao ministério, até lá, ninguém poderia ir contra o governo, pois seria considerado traição.

Infelizmente ninguém ali conhecia o passado sujo da Raposa. Na verdade... um conhecia, porém não queria falar, pois isso lhe traria muitas questões que não queria lembrar. Rain... ele sabia mais do que qualquer um. Sabia que Kayara tinha duas filhas no mundo dos humanos, ditas cujas também eram suas crias, e, justamente por essa questão, preferia se manter em segredo.

Essas filhas haviam nascido no momento mais conturbado do casal, quando Rain traiu Kayara com a elfa que o seduziu. Ela mesma o abandonou, sem dar tempo para explicações, mesmo que a explicação estivesse bem na sua frente, nua e estirada na cama. Era uma escolha difícil para alguém que tinha acabado de dar à luz, jogar as crianças para o mundo humano, onde viveriam sozinhas, como duas órfãs sem família. Os nomes? Mayra e Moyra. Gêmeas idênticas.

Contudo Rain carregava uma culpa à mais nessa história toda, pois ele mesmo foi atrás da mulher de cabelos de fogo à fim de fazê-la abandonar as crias para que nenhum dos dois sofressem as consequências do ato hediondo de Rain. Ele havia sido tão egoísta com a mulher que o amava que foi capaz de fazê-la crer que todos os filhos que viria a ter estavam condenados, fadados à vida que ela teve, fadados ao sofrimento eterno, destinados à infelicidade. Aquilo o corroía todos os dias, mas nada que fizesse poderia consertar o que já estava feito.

Kayara, na época em que teve as gêmeas, já tinha sido convencida de abandonar cada um de seus filhos, primeiro o filho do estupro, o ato que a destruiu, coisa que foi feita pelo próprio pai. Ela havia dado a criança para sua avó, que na época ainda era viva, entretanto não era mais a rainha. Anos mais tarde teve outro filho, agora num tempo em que já estava unida à Rain faziam anos, entretanto a criança havia nascido doente e o pai a levou para algum lugar, dito cujo Kayara sequer sabia se havia sobrevivido e carregava o remorso em seu peito.

As meninas haviam sido uma fatalidade no meio do caos. Rain deixou claro que não queria filhos com Kayara, ao menos não naquele tempo, em que ele mesmo dizia que não estava pronto, assim como ela também não estava. Rain foi o autor de um verdadeiro relacionamento tóxico, tal qual destruiu o que restava da confiança de Kayara nos outros ao seu redor.

— Talvez devesse contar, Rain. Sabemos que se ela pudesse, falaria. É o governo de sete continentes que está em jogo, afinal. — Akanâe se aproximou de Rain e tocou seu ombro. Ela sabia? Parecia que sim.

O homem alto, de cabelos escuros e longos olhou para a gêmea de sua ex-mulher e baixou a cabeça, negando. Ele estava errado e sabia disso, deveria falar sobre o assunto o mais rápido possível, todavia nem sabia como eram as meninas ou se ainda eram meninas. Poderiam ser já mulheres...

— Sabe que se elas cresceram no mundo humano não possuem poder algum aqui. São mortais — ele olhou a ruiva de armadura —, elas não conhecem esse mundo sequer por contos de fadas... como agiriam se fossem arrastadas para cá? — Rain conseguia ser muito manipulador quando lhe era necessário — Isso não é um dos contos da Alice no País das Maravilhas. Não é a história da Branca de Neve. — Ele apontou para baixo e olhou fixamente para Lau, estava constatando o que dizia — Isso não tem finais felizes, Lau..

— É verdade, mas é melhor saber uma verdade dolorosa do que viver na mentira a vida inteira, Rain. — A ruiva com tranças no cabelo se aproximou do homem de longos cabelos e apontou na cara dele — São duas reais que vivem no mundo humano, correndo perigo se tiverem asas como alguns muitos da família... mais perigo ainda se tiverem poderes e não conseguirem lidar com isso. — Ela ergueu os braços levemente. Rain já dava passos atrás — Já imaginou o caos? Duas Honhais Mecças no mundo humano, com desejo assassino insano. Ou pior... os caçadores do sobrenatural. Humanos que se acham fortes para lutar contra Honhais — ela passou a mão pelas tranças e olhou Rain, que refletia —, mas... talvez tenha razão. Se tornaram humanas, vivendo com fome, frio e sede... sem lugar nos mundos. — Lau deu dois tapas na bochecha direita de Rain — A morte é bem cruel quando se trata de Honhais, por isso somos imortais.

— Mas se viraram humanas não são mais Honhais. — Rain se defendia como podia, mesmo sabendo que contra Lau não havia argumento certo.

— Sabemos disso, claro, mas lembre que a Morte não liga para o que fazemos... sim de onde viemos. Apenas o Juiz pode julgar se fomos dignos. — A gêmea mais nova bateu com o dedo indicador no peito de Rain — Ela veio daqui... nasceu aqui; Sentiu aqui. Logo, a Morte a levará para o destino cruel reservado à todos nós, Honhais. Você sabe disso.

Rain se afastou de Akanâe, sem ceder, a deixando para trás com um pouco de raiva. Ele saiu do castelo com pressa, tinha medo que alguém tivesse ouvido aquilo. Se descobrissem... o que fariam com ele? O povo podia dar a ele o mesmo destino que ele deu à sua cria: A morte. Isso seria lastimável. Completamente lastimável. 

Kayara - Livro 1 [COMPLETA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora