Ponto 15 - Entrelaçados IV

48 12 2
                                    

— Sim. Gostaria de convidá-la para desjejuar comigo. E pelo que o dono da hospedaria me contou, não muito longe daqui a um lugar com pães vermelhos e outras coisas doces.

Água se formou na boca da garota retalhos, doces eram o amor da sua vida. Começou a desconfiar que todos sabiam da sua fraqueza. Ela recusaria o convite, não acompanharia aquela garota para ser tratada como uma idiota novamente, mas antes que pudesse falar qualquer coisa Eric disse:

— Por gentileza, venha conosco senhorita Agulha Negra.

Ela cruzou os braço e o olhou seria.

— É uma ordem? — perguntou começando a ficar irritada.

— Claro que não — disse Midori, — é um convite, eu gostaria muito de conversar com você, e também lhe pedir desculpas.

Midori se curvou, as criadas e Eric fizeram o mesmo.

— Eu só venho lhe causado desconforto com minhas atitudes grosseiras — ergueu a cabeça olhando nos olhos de Sutura que estava perplexa.

— Aceite, por favor, o pedido da nossa jovem senhora — disse uma das criadas.

O pedido estava sendo remoído pelo seu cérebro. Aquilo poderia ser novamente coisa de Remy, porém a conversa com Eric na noite anterior lhe veio a mente, ele pedia desculpas e disse que Midori faria o mesmo. Por fim acabou aceitando ir com eles. Midori abriu um grande sorriso e pegou em uma das mãos dela, a conduziu para fora da hospedaria.

O local com os pães vermelhos realmente não era longe e cheirava muito bem, estava cheio de coisas gostosas. Dessa vez Eric e as criadas também sentaram a mesa, uma mudança na postura da Hoen.

Enquanto Sutura devorava os doces, Midori falava sobre comida e os bailes da nobreza.

— Ouvi falar que em Psalms vai ter um baile para todos os convidados antes da assembleia. Estou ansiosa por isso. Um baile em uma terra estrangeira, como será que vai ser? — Midori tinha olhos sonhadores.

— Creio eu — disse Eric, — que não seja muito diferente dos bailes em Hon.

— Preciso de um vestido especial para esse dia. Senhorita Sutura, que tipos de vestido você gosta? Os mais elaborados, os mais simples, os mais provocantes, coloridos ou de cores neutras?

Secretamente Sutura sempre achou vestidos coisas muito bonitas, apesar de nunca ter vestido um. As vezes ficava em frente das lojas admirando as vitrines se imaginando usando aquelas coisas bonitas, mesmo achando que não ficaria bem usando dentro de qualquer um deles.

— Não tenho bem certeza — disse ela, — nunca usei um vestido.

— O que? — disse Midori em um tom alto atraindo a atenção das pessoas nas outras mesas.

A garota Hoen se encolheu e falou mais baixo.

— Não é possível, toda garota ao menos já havia experimentado usar um vestido — ficou pensativa olhando para o pedaço de bolo na frente dela. — Isso significa que nunca dançou também?

— Em um baile nunca — se lembrou da vez que dançou com Rayner no entreposto, não havia sido bem uma dança, não saberia dizer o que foi, mas não era nada elegante como deveria ser nos bailes da nobreza.

Se sentiu desanimada, aquela conversa não estava sendo muito legal. Ela nunca fez nada que uma garota normal havia feito, era uma pessoa que se escondia e tentava ficar fora de vista, não uma que gostava de ser o centro das atenções.

— Vou arranjar um vestido bonito para você — disse Midori animada, — e poderá ir ao baile em Psalms.

A ideia gelou seu estômago, não queria expor seu rosto em um lugar cheio de gente enfadonha e de nariz empinado.

— Desse modo — continuou a garota Hoen, — poderá dançar com o senhor Rayner.

Sutura petrificou. Dançar em um baile seria diferente de dançar em um bar onde sua cabeça estava sob efeito de bebidas. Bailes eram coisas de nobres, cheios de cores, brilhos e beleza. E ela não tinha nada disso, a ideia a apavorou, ainda mais por ter se imaginando dançando com ele.

Desesperadamente buscou fugir desse assunto.

— Vai dançar com o jovem senhor Remy? — perguntou Sutura comendo um pedaço de pão.

— Tentarei — disse Midori suspirando, — eu não sei mais o que fazer para ele me dar atenção.

— Pare de tentar — disse Sutura, — talvez isso resolva.

— O senhor Rayner me disse o mesmo — sorriu e comeu um pedacinho do bolo, — na minha terra natal, nós garotas somos ensinadas a seremos boas esposas, não do tipo que os Unalus fazem com as mulheres deles, nós senhoras de Hon somos lutadoras, guerreiras respeitadas. Parece que nós zombamos deles e seus costumes, onde para eles, mulheres nem pessoas são consideradas, são apenas servas do marido.

Sutura sabia daquelas coisas, mas toda vez que ouvia se sentia horrorizada, sempre imaginava como sua Chi-jo conseguia perambular pela terra dos Unalus sendo que era mulher. Resolveu deixar isso pra lá, Rafgalla era apenas Rafgalla, e aquela mulher fazia o que queria não importando onde fosse.

— Agora — continuou Midori, — deixando os Unalus pra lá. Os meninos na minha terra natal são ensinados a serem bons maridos.

— Deveria levar seu noivo para sua terra então, talvez ele aprenda algo.

— Eu quero fazer isso. Quero que ele conheça o lugar de onde eu vim. Os Kikuchi e os Gray unirão famílias, casamentos políticos, mas isso não significa que tudo tem que ser tão desagradável. Vou cumprir meu papel como membro da família Kikuchi e me casar com Remy Gray, e tentar ao máximo tornar tudo isso o mais feliz possível.

— Não acha isso ruim? — Sutura perguntou a encarando. — Você não tem liberdade de escolha.

— É o meu dever — disse ela de forma orgulhosa. — Honra e dever são os valores da casa Kikuchi, e união politica ajuda a nos manter fortes em tempos difíceis.

— Mas aquele garoto é insuportável.

— Eu entendo, mas sabe, eu o conheço desde os sete anos, foi quando fomos apresentados um para o outro na promessa de casamento. Nos brincamos na Fortaleza das Águas em Lagoa de Prata, e ele disse que me protegeria e cuidaria de mim, tivemos momentos alegres como crianças, ele me mostrou o castelo, brincou com uma espada. Eu voltei alguns dias depois para Fuuka, minha terra natal, e esperei até o dia que voltaria a vê-lo. Bem, ele mudou, todos mudam, mas acho que o Remy gentil e cavalheiro ainda existe dentro dele. Eu vou cumprir meu papel como Kikuchi, mesmo que eu não tenha liberdade de escolha, e vou fazer ele voltar a ser gentil como foi uma vez comigo.

O Ovo da Fada Negra (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora