Prólogo

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 A Primeira Era fora o período mais próspero já conhecido pelo continente de Gállen'thir, especialmente na Gállen, terra originária dos awbhem, vulgarmente nomeados de elfos pelos estrangeiros. A partir dela, a contagem do tempo se iniciara, tornando-se relevante afinal, pois foi um período de inigualável memória, marcando o ápice do desenvolvimento em conjunto dos povos de diferentes espécies para um propósito em comum. De harmonia, o grandioso reino desfrutava, agregando outros domínios através de comércio e alianças com outros reinos cada vez mais distantes, aumentando suas dimensões vastamente.

Essa, era A União.

Um governo regido por uma entidade sagrada de vida eterna, a sábia Matriarca Sý'Einna com suas seis discípulas divinas, cada qual representando uma das seis tribos que originaram o reino. Sý'Einna também era a representante suprema em terra da Aura, uma sublime camada invisível que interliga os seres vivos como um véu de sentimentos, perceptível de modo claro para raros indivíduos. Além disso, o Conselho de Aylentar, localizado na capital e no reinado de mesmo nome, ouvia os desejos e anseios de todos representantes e líderes dos povos, levando tudo ao conhecimento da Grande Mãe matriarcal.

Mas quando as majestosas trombetas que acompanhavam a alegria do canto finalmente anunciaram o fim do entendimento, a amplitude da União foi abalada, e a Primeira Era, a Idade da União, findou, dando lugar a uma nova contagem do tempo. Os povos, até então pela diplomacia ao reino, rebelaram-se sem motivo aparente, negando quaisquer que fossem as tentativas de negociação. Os revoltosos não só se separaram, como iniciaram campanhas contra os domínios das camadas mais internas da União. De fora para dentro, povo por povo caía perante os ataques, pois poucos podiam ser defendidos simultaneamente. Cada vez mais os territórios mais afastados se desanexavam tornando-se rebeldes e perdendo contato com a capital.

Iniciou-se a Segunda Era, registrada em sangue e massacres. Uma Era macabra, confusa e violenta: a Idade da Corrupção.

Para a Matriarca, a população adoecia de um ódio colérico inexplicável, fruto de uma corrupção que se alastrara por todas as fronteiras. Enquanto mais civilizações pertencentes à União se perdiam, a força dessa organização se desmanchava. Após tanta perca, eles resistiram, mantendo firme as camadas mais internas que circundavam Aylentar. Diante o estandarte da Árvore Áurea e as paredes de escudo das legiões da União, os corrompidos recuaram, para dar lugar a um silêncio de incerteza. Uma quietude que fora preenchida pela ação direta da fonte corruptora. Algo desejava destruir a União, e manipulava mentes e corpos daqueles que conseguia para alcançar esse objetivo. Ao chegar em seu limite e ainda sem sucesso, o inimigo oculto libertou suas criações horrendas para a linha de frente contra os defensores da Harmonia. Eram bestas, seres do desígnio puro da natureza, formas de vida geradas para um único propósito: extermínio.

Do meio ao final da Segunda Era, As divindades, entes de carne e sangue venerados pelos povos, combatiam os corruptores, por vezes entregando as próprias vidas pela glória e triunfo. E pelo sacrifício dos entes adorados, os algozes corruptores ocultos eram derrotados lentamente, e a Segunda Era parecia estar próxima do fim. A vitória definitiva era iminente com a retomada de territórios que estavam condenados pelo caos. A União teria perdurado e se recuperado, entretanto, um evento celeste que causava influência máxima da Aura, conhecido como Pulsar, se alastrou por toda Ýku'ráv, banindo os seres vivos com maior sensibilidade ao plano áurico, incluindo raças inteiras e as divindades que, ironicamente, veneravam essa fonte de poder e a tinham como inspiração maior.

Tanto os corruptores quanto a maioria dos entes sagrados, como Sý'Einna e suas discípulas, foram banidos do mundo físico, e a guerra com o impiedoso inimigo oculto, findada.

Deu-se início à Terceira Era, a época imbuída pela depressão e ruína dos povos que ficaram dispersos; a Idade do Banimento, onde as divindades eram lendas cultuadas e memórias melódicas, elevadas então ao distante patamar de deuses.

Gállen'thir, o continente de origem do antigo panteão, agora apenas detinha o Conselho de Aylentar, e nele, seus membros renomearam-se para Regentes ao assumirem coletivamente o papel da Matriarca morta, se incumbindo de reorganizar o que sobrevivera do reino. Esse ato foi encarado como uma afronta às tradições, e dois terços da população restante se separou para seguirem a liderança das duas entidades sagradas restantes, que eram as mais fracas do panteão.

Ainda era o mesmo povo, que partilhava das mesmas conquistas e angústias, porém, separados pela palavra de seus governantes.

As lunnos, uma variação de nascença rara dos elfos e criaturas exclusivamente femininas com sentido áurico profundo, acabaram extintas na Era depressiva. Sý'Einna, suas discípulas e as mais poderosas magas eram deste gênero. Por tal motivo, persistiu entre as tribos élficas a esperança de que, outra lunno se revelasse, ela seria naturalmente escolhida ou reconhecida como a Nova Matriarca e por consequência reuniria os povos de Gállen'thir, que ao entardecer da Terceira Era se separavam em três facções culturalmente distintas e rivais.

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Ao nordeste da Gállen, nos afastados montes orientais e gélidos de Yl'hinyrm, na aldeia de adoradores das quatro luas, nascera uma fêmea singular que desafiara as crenças. Após um milênio de guerra civil, uma elfa com os antigos traços de uma lunno parecia enfim emergir, e nela fora depositada a esperança de um legado perdido. De início, o nascimento da esperada unificadora do reino fora mantido em segredo, até que, quando atingira a fase adulta, peregrinara para um santuário, arrastando multidões de adoradores carentes. Como prova de poder, a lunno deveria recuperar a vida do antigo símbolo da União, a Árvore Áurea, que jazia, negra e ressequida, nos jardins dos templos abandonados, localizados em uma região de fronteira entre duas das facções rivais.

Essa elfa de nascença especial era Yîarien, Eclipse Negro na antiga língua, e dedicara a vida aos estudos do que restara dos pergaminhos sagrados de seu povo para se preparar para o grande momento. A revelação deveria vir, pois todos necessitavam dela e boatos de uma nova matriarca se espalharam para todas as direções como ventos não sazonais.

A notícia chegou até o conhecimento de soberanos, e entre eles, havia um acima dos demais. Esse era Bálshiba, uma das divindades sobreviventes do Banimento e expurgada de Aylentar, que além de almejar domínio absoluto da Gállen, sentia seu trono por direito severamente ameaçado, e ordenara que seus comandantes fossem até o encontro de Yîarien para assassinar a falsa soberana que se erguia das lendas.

Quinta Lua (Livro Completo)Where stories live. Discover now