(49) - Palavras Sagradas Aos Ventos Divinos

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"Narravam os viajantes que Zyshuth era uma deidade carnal que caminhava entre os mortais e que onde suas sandálias deixavam pegadas o solo germinava. Meu coração era uma brasa que tomava boatos e poemas como fatos, impedindo que eu filtrasse as palavras de meus ouvidos. E como um tolo atrás de lendas, literalmente segui essas palavras encantadoras.

Pegadas eram diversas em Mídd e se apagavam com a brisa, mas eu tinha certeza de que o rastro de Zyshuth era especial. Seguindo o palpite que garimpava dos mercantes, viajei até onde os Rios Gêmeos se tocam. O que meus esperançosos olhos encontraram foi o esboço, uma fundação, de uma cidade vasta como os campos abertos, onde um dia não fora mais do que um mero entreposto de caravanas. Povos se encontraram para colaborar em propósito mútuo e ali se estabeleceram, graças às palavras de Zyshuth. Vi raças, clãs e tribos, que em nada tinham em comum, cultivarem sustento nas margens dos rios para sustentar a construção e transportarem recursos para construir edificações em uma região que gradativamente tornava-se um oásis (...)

Tive certeza de que K'ammur fora a pegada inicial deixada por Zyshuth.

Continuei a migrar com uma motivação inacabável. A cada oportunidade, conversava com os povos locais para ter mais pistas do Eremita enquanto comprovei em prática mais medições do Calendário.

Todos as moradas sagradas visitei. Os sacerdotes divergiam de orientação mítica de templo a templo, o que logo me fez perceber que não podia aceitar a mensagem de nenhum como verdade absoluta. Ah, como eram contraditórios entre eles mesmos. Cheguei a discutir em plenos pulmões, em um santuário, com um chefe ritualista que dizia ser impossível encontrar o Eremita, alegando que o mesmo era só um espírito que concebia inspiração aos mortais e manifestava-se por visões. Também havia os que diziam que Ele não poderia ser encontrado, somente se Ele assim permitisse. Independente das respostas, eu sentia um impulso que me fazia buscar Zyshuth e isso bastava-me.

Testemunhei a criação de complexas irrigações trazendo colheita aos ermos secos; testemunhei construtores erguendo altíssimas pontes de alvenaria trazendo água corrente de fontes elevadas; testemunhei galerias de aquedutos subterrâneos sendo cavadas e esculpidas; testemunhei povoados que se denominavam reinos se aglomerando sob uma identidade comum.

Testemunhei os k'ammurianos nascendo.

O privilégio de ver o maravilhoso início desse povo me custou mais do que o imaginado. Passei o restante da juventude vagando por Mídd, conhecendo cada cidade, encontrando cada influência física causada pelo Eremita. E, após tanto tempo, eu era um ancião que tinha uma chama perene no peito, quando me vi perdido ao deserto, seguindo a trilha daqueles que acreditavam piamente conhecerem o Senhor da Passagem.

Com a pele castigada, músculos fadigados, caminhei ignorando todas as dores. Sede e fome queriam me derrubar. Meus mantimentos não seriam o suficiente para encontrar os incógnitos e nômades cavaleiros do deserto. Fui um tolo em pensar que os alcançaria antes de beirar a morte. E, quando a morte eu aceitei de bom grado, tudo se apagou.

Mas a morte rejeitou-me.

Despertei em uma tenda rústica de couro. Nunca uma cama fora tão confortável. Levantei-me, e em um acampamento sob céu estrelado os reconheci rodeando a fogueira, e com uma sh'hila, a líder do bando, conversei por uma longa noite. Os cavaleiros encontraram a mim primeiro, acolheram-me com água, comida e abrigo. Eles contaram que me acharam caído em um rochedo, protegendo com o corpo a tábua de argila.

Sim, esses cavaleiros eram as primeiras gerações de cavaleiros que passam hereditariamente de mestre para aprendiz seus ensinamentos e que, no momento em que escrevo, são os kaskres.

Quinta Lua (Livro Completo)Where stories live. Discover now