Pergaminhos Perdidos: A Torre Velada

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O conhecimento é uma ferramenta neutra, isenta da culpa daqueles que manuseiam. Zyshuth assim pensava e ensinava. Para o ancião Senhor da Passagem, criador do Calendário Circular, toda forma de aprendizado deve ser compartida sem distinção. Em tal interpretação, essa atitude caminharia em direção do almejado equilíbrio em terra para os vivos e a Vida. O rápido amadurecimento dos povos em Mídd provou que seu jeito de pensar estivera correto, e ele se orgulhara.

Era de se esperar, entretanto, que nem todos aplicassem o conhecimento em prol da maioria, pois haveria aqueles que buscariam o egoísmo, a vantagem individual.

Um efeito colateral desse pensar e mais uma etapa do constante amadurecimento da civilização.

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Terceira Era, Idade do Banimento

Mídd, Ermos dos Rios, Ciclo 1347


AGUARDAVAM NA base da colina rochosa exatos quatro mestres kaskres e dois aprendizes. Ocultavam-se o suficiente para evitar detecção das carroças de mercadorias que transitavam para o norte na estrada abaixo. O comboio era grande, reforçado com mercenários bem pagos para escoltarem os flancos. Só pela quantia de armas que carregavam dava para se ter uma ideia do valor dos produtos que transportavam. Uma carga extremamente tentadora.

— O local é perfeito. Acha que estão realmente preparados para receber um assalto? — Mestre T'andrish esgueirava sua visão pelas pedras, deitado no solo quente. Graças a sua pele escamosa de sh'hila, sentia-se menos afetada pelo clima árido.

A planejadora da missão também se deitava ao chão, adjacente, encarando na mesma direção. Repousando nas costas estava uma égide com o semblante de uma fera kratar de asas abertas. Tal escudo era muito mais usado que a cimitarra, porém, o próximo ato que se seguia demandaria um emprego maior da arma.

— E quem nesse mundo está preparado para ser emboscado? — Cibe Adúry retorquiu com o seu jeito sábio.

— Essa é a nossa sétima tentava. Os outros kaskres não estão mais tão animados quanto da primeira vez que tentamos. Sinto que já abusamos consideravelmente da boa vontade deles.

— Entendo que pode ser desanimador, mas é uma tarefa nossa. E dessa vez, é diferente. — Cibe detestava convocar um grupo de kaskre em vão. Era uma perca de tempo precioso, além de ser complicado. Eles poderiam estar em outras terras, cuidado de assuntos importantes para a Ordem, mas aquela tarefa em especial era mais relevante e valeria continuar tentando mais algumas vezes se fosse preciso.

Unir um grupo kaskre nunca se tratava de algo mundano. Deveria haver uma questão inegável aos códigos dos cavaleiros e que superasse a dificuldade de convocar os membros que estivessem ao alcance. Devido a raiz nômade, precisariam contatar sacerdotes e demais apoiadores dos kaskres espalhados por Mídd para tentar localizar outros membros e marcar tais encontros, fazendo das aves mensageiras uma ferramenta essencial.

T'andrish virou-se para ela.

— Está aguardando que eu pergunte por que dessa vez é diferente? — O humor dele foi indiferente.

— Dessa vez é vantajoso demais para um ataque — apontou com dois dedos para as nuvens que vinham do leste —, apesar de não demonstrarem ameaçadoras, trarão a cobertura perfeita. Basta aguardar.

Mestre T'andrish assentiu, renovando o ânimo. Ele sempre confiou nos dons da mestra Adúry. Ela era vista mais como uma erudita conselheira do que por ser uma exímia cavaleira.

Quinta Lua (Livro Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora