(39) - Seur

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"O legado é maior do que tudo. Maior que nós mesmos. Somos as crias celestiais de Seur, herdeiros luminosos que buscam a ascensão ao lado do Altíssimo. Provamos sermos dignos incontáveis vezes. O sangue dos impuros foi derramado junto do sangue de nossos irmãos. Pelo legado nos tornamos mestres da terra que se purificava e em contemplação aguardamos. Aguardamos, pela ascensão (...)

Havíamos conquistado os céus e o firmamento (...) agora eles apenas residem acima de nós, nos julgando e condenando.

As provações para a ascensão nunca haviam terminado, e devíamos aprender com nossos erros e falta de paixão."


- Syllion, Sob os Pilares da Luz, o sagrado livro dos seurianos



SERENIDADE SE esvaía. O calor aumentava em seu peito e então emergiu do torpor. O corpo estava amortecido, cabeça zonza. Yuzhal sentou-se na cama, afastando os lençóis de suas pernas. Esfregou o rosto e o ergueu o olhar para seu aposento — uma prisão, se dado ao fato de que não poderia sair de lá se não fosse permitido e estivesse acompanhado.

Sua visão turvada começou a ficar nítida conforme identificava um vulto branco de traços dourados logo a frente, de pé lhe observando sem se identificar. Enquanto os olhos se davam conta, seu coração se inflou em desespero, batendo acelerado, os olhos dilataram e seus braços tremeram. Era Flama, sua falecida irmã, sorrindo para ele, com seu jeito maduro de sempre, exatamente da mesma forma que se lembrava dela na última vez que a vira no acampamento das dunas, antes da emboscada que falhara.

Mas os lábios de Yuzhal estavam mudos, incapazes de proferir quaisquer palavras. A imagem ficou parada o encarando. Aquelas íris de um dourado incomparável se fixaram nele, julgando seus atos. O rosto de desprezo, os fios da mesma cor que os dele deslizando pelos ombros. O culpava com o silêncio, o castigava na indiferença.

Flama... — Firmou as pernas no soalho ao conseguir dizer algo. Dera um passo. E outro. A face dela não se alterava de expressão. Não podia ser ela, ali, dentro do barco de seus captores, dentro de sua cela. Não acreditava. Seu desespero íntimo devia estar recriando uma miragem perfeita do semblante da irmã. O inconsciente brincava com as memórias conturbadas de um mago ilusionista, jogando seu poder contra ele mesmo. Uma fatalidade que poderia o levar a loucura. — Não. Você não é ela.

Ao ouvir a negação de Yuzhal, um sorriso perverso se abriu nela. As íris douradas se macularam em palidez até se tornarem joias prateadas. O cabelo loiro se enegreceu como um anoitecer sombrio, e as mechas cresceram além da cintura. A pele vermelha esfriou até ficar azulada e símbolos cresceram por todo corpo igual ramos e raízes.

Em um belo vestido alvo, Yîarien sorria para ele.

Flama era uma ilusão dentro de seus próprios olhos, de sua própria mente, ou sua carcereira havia encontrado outro jeito de atormentá-lo.

— Não sou a Flama. Tampouco me pareço com ela. — Os olhos da lunno estavam perturbadoramente fixos, sem piscar ou vacilar, o perfurando mais que lanças.

— Já aprendeu tudo o que queria comigo e para provar a eficácia de suas novas habilidades, vêm até mim, para se passar por ela, não é? Você a viu bem antes de calcinar a carne dela em chamas negras, sabe exatamente como minha irmã era antes de se tornar cinzas. — Yuzhal retornou com feição de frieza, chegando mais perto da lunno. — É por isso que veio aqui com minha adaga? Para completar seu sadismo me assassinando como ela?

Quinta Lua (Livro Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora