(32) - Estalagem

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            "Os seurianos possuem extrema dificuldade em separar o misticismo do real. Mesmos os awbhem, o povo conhecido primeiramente pelas suas crenças, possuem consciência de que muito do que é recontado sobre a Aura é um emaranhado de mitos glorificados, tanto por eles mesmos quanto por outras civilizações. O que em nada diminui a Aura.

Nhãmrú serve para nos explicar o funcionamento de Ýku'ráv, mas ao mesmo tempo suas origens são primitivas, carregadas de imprecisões. Para os seurianos, Seur, o Sol, está no mesmo patamar de Nhãmrú, mas eles creem que Seur é um deus supremo transcendental e criador do universo que se fez presente no mundo, a única que merece adoração e respeito, e por isso seguem tão cegamente suas convicções."

- Yîarien, a Quinta Lua



FIZERAM A última parada em um povoado antes de chegar ao porto de Lohal. Wanäe ficara encarregada de viajar com Yuzhal no mesmo poake; ela era forte o bastante para caso precisasse segurá-lo e possivelmente era quem mais tinha força física entre o bando. Yîarien não tinha essa força e os kaskres acabariam se desentendendo com o prisioneiro.

Todos admitiam que Thâmyr era um excelente viajante. Não à toa seu tutor lhe dera o título de Errante do Oeste, talvez o associando à alguma marcantes estrela que nascia ao Oeste. Conhecia as constelações e as usava de orientação, e mesmo no deserto monótono sem pontos de referências ou estradas, o grupo nunca se perdia. Imyram ainda estava longe de se guiar com tanta precisão apenas espiando os astros, o que seria fundamental para que ele se tornasse mestre um dia.

Antes de prosseguir, necessitavam reabastecer os suprimentos dos alforjes, e os poakes também mereciam um descanso apropriado, por isso deixaram eles em um estábulo em uma das cidades menores dos Ermos Assolados. Os animais repousaram bem por aquela noite.

Aquela, contudo, não era uma cidade aleatória.

O grupo atravessou pelas ruelas pacatas ladeadas por residências e comércios locais. Yîarien sentia-se dentro de uma versão miniatura de Kathamûl, pelas estruturas seguirem o mesmo padrão. Provavelmente ali também fosse uma "típica cidade k'ammuriana".

A noite só iniciara, as atividades agrícolas terminavam ao redor do povoado para se ocuparem com funções noturnas. Fazendeiros se recolhiam para suas moradas, mas alguns moradores — e principalmente mercenários ociosos e mercadores — optavam por encher as estalagens, e para um desses estabelecimentos rumaram. O calor do dia amenizara drasticamente a partir do momento que Wym'rú se recolheu além do horizonte.

— Existe uma razão para essa província ser conhecida como Ermos Assolados ou simplesmente dão nomes que fiquem bem nos mapas? — a guardiã perguntou para Thâmyr. Wanäe beirava entre humor e provocação com essas perguntas, que, no final, eram sinceras.

O Errante não se incomodava. Até se entretinha com isso.

— Olhe ao redor — ele abriu os braços, indicado os arredores. — Estamos caminhando entre os resquícios do reino de K'ammur. Destroços que perduraram menos que as ruínas dos Antigos e que nesse ritmo perdurarão menos ainda. — Não soava trágico, pois falava com neutralidade. — Mas sim, devem ter nomeado para intimidar aventureiros, afinal, essa província é assim conhecida desde os primórdios. E agora mais do que nunca faz sentido.

Imyram trazia o mago por uma corda presa às amarras dos pulsos. A boca não estava mais com a mordaça para calá-lo — o seuriano desistira de proferir insultos e se mantinha na quietude. Os que vissem a cena poderiam interpretar como um escravo, mas também como um criminoso e era como essa segunda imagem que esperavam passar dentro da cidade para que não fossem parados e questionados.

Quinta Lua (Livro Completo)Where stories live. Discover now