19 - O Duelo no Sinogo

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Um som oco fez Croune subitamente virar-se. Por um instante, pensou se tratar do punho fechado de mestre Scroud indo de encontro ao tampo da mesa, para chamar sua atenção. Mas então percebeu que o barulho fora causado por um colega de grupo, que deixara cair o livro no chão, e estava agora se curvando para apanhá-lo.

–Tome cuidado com os livros! – ralhou mestre Scroud, encarando o garoto desastrado. Escorregou o olhar para a bibliotecária e balançou a cabeça negativamente. A mulher estava lendo um livro fino em sua escrivaninha e não fez mais do que olhar por cima do pincenê na direção do menino descuidado.

Derc olhou por cima da cabeça de Croune para ter certeza de que mestre Scroud estava ocupado com um aluno, três mesas à frente.

– Meu irmão entrou para o Exército Mirim no ano passado – contou Derc, quando Croune se virou para ele. – Ele me deixa treinar com sua espada à noite, quando nossos pais estão dormindo. Tenho certeza que vou me sair bem no torneio.

Uma linha de inveja apoderou-se do rosto de Croune.

– Está sabendo do duelo que vai acontecer hoje, depois da aula? – perguntou Derc.

– Não.

Derc espiou em ambos os lados. Mestre Scroud estava em um corredor de estantes procurando um livro.

– Estão dizendo que dois alunos da sala 3 marcaram um duelo para hoje – contou Derc. – Parece que a mãe de um dos garotos não aprovou sua participação no torneio e o outro menino debochou da cara do colega. Aí o garoto ofendido disse que não precisava participar do torneio para mostrar que era melhor que ele.

– Onde vai ser? – perguntou Croune, curioso.

– Aqui mesmo, no pátio do Sinogo. Podemos assistir juntos.

Scroud estava caminhando entre as mesas, braços cruzados, cara fechada, e olhar escorregando de mesa em mesa. Croune e Derc voltaram-se, cada qual para sua mesa. Ao se virar, o braço de Croune roçou nas folhas do livro e a página de estudo foi perdida. Molhou a ponta dos dedos com a língua e folheou rapidamente até retomar a página indicada pelo mestre, antes que os olhos observadores cruzassem por sua mesa.

A aula não demorou a acabar, e quando foram dispensados, Croune e Derc correram para o pátio, onde dezenas de vozes juntavam-se em burburinhos em um canto mais isolado. Lupos recusou-se a ficar ali e assistir a luta. Despediu-se de Croune e foi para casa sem um pingo de arrependimento.

Estudantes de Artes, Técnicas de Comércio e Habilidades Manuais estavam presentes no local do duelo, e até algumas garotas da sala 3 compareceram na rodinha para assistir à luta dos colegas. Os dois combatentes encontravam-se no centro do círculo de crianças. Um deles, magro e alto, estava curvado, um dos joelhos no chão, amarrando o cadarço de sua bota. O cabelo encaracolado, de um tom avermelhado, caía-lhe sobre o rosto pendido. O outro não era tão alto, embora fosse quase três vezes mais largo que seu adversário. A barriga, caída por cima do cinto, vibrava a cada passo.

O barulho intenso causado pelas dezenas de vozes não impediu que o sussurrar de uma melodia agradável chegasse aos ouvidos de Croune. Ele procurou o remetente da música e encontrou-o em um banco de carvalho, sob um velho salgueiro. De rosto curvado, seu colega Steves dedilhava o inseparável alaúde.

Concentrado na bela melodia, os sons das vozes perderam espaço nos ouvidos de Croune e ele só saiu do devaneio quando uma voz zombeteira se ergueu, alteando-se acima de qualquer outro som.

– Hoje vocês terão a honra de contemplar o futuro campeão do Torneio Mirim em uma demonstração simples de suas habilidades! – engrandeceu-se o garoto gordo, no centro do círculo, de braços abertos e girando sobre os calcanhares. Sua mão esquerda segurava um longo galho verde de salgueiro. – Este sujeito me chamou para um duelo, porque a mamãezinha dele acha que o torneio é muito perigoso para um bebê.

O Receptáculo de TéldrinWhere stories live. Discover now