– Espero que esteja se agradando de sua cama, filho – disse ela.

Croune ignorou a brincadeira da hospedeira.

– A senhora sabe aonde Vanguelb foi? – perguntou.

Diná abanou a cabeça.

– Como pude me esquecer de lhe dar o recado – disse Diná. – Acho que a velhice está começando a afetar minha cabeça e começo a ficar preocupada com os efeitos causados pelos anos. – Fechou os olhos e massageou a fronte com a mão. – Vanguelb não me falou aonde ia – continuou –, mas me pediu que lhe desse um recado assim que chegasse do Sinogo. Disse que tinha pegado alguma coisa sua e que devolveria até o final do dia. É isto... Acho que não me esqueci de nada.

Croune continuou irrequieto. Vanguelb prometera não mexer no Receptáculo e não cumprira com sua palavra. Esperava que não estivesse mentindo sobre seu retorno à hospedaria ao final do dia.

– Agora, suba – recomendou Diná. – Vamos servir o almoço em instantes.

Croune rejeitou a refeição. Lux, pelo contrário, devorou a porção que lhe foi servida na tigela, e não satisfeito apoiou as duas patas dianteiras na mesa e passou a lamber a borda lambuzada da panela de carne.

Próximo ao final da tarde, Lupos conseguiu se livrar do serviço na hospedaria e subiu ao quarto, oferecendo-se para ajudar Croune com a leitura de um pequeno livro velho, que o ajudara quando estava no Nível Preparatório.

Juntos à mesa, Lupos teve muita dificuldade em ajudar Croune a gravar as letras que compunham seu próprio nome. Gastaram não mais que 30 minutos de estudo, que se resumiu em decorar algumas letras e escrever, usando uma pena e um tinteiro, repetidas vezes o nome "Croune" na face amarrotada de um papel.

O estudo foi mudando pouco a pouco para assuntos mais agradáveis e menos cansativos. Croune explicou detalhadamente sobre as brincadeiras que tomavam o tempo das crianças em Quiriate; os boatos que surgiam na Figueira das Reuniões; as brigas com as meninas, e os lugares de fuga quando se viam encurralados por suas antagonistas. Depositou um tempo considerável engrandecendo-se com suas incontáveis vitórias nas batalhas com espadas de madeira. Foi enfático ao falar de suas brigas, e das vezes que tinha enfiado uma graciosa e gentil espadada na barriga de um garoto gorducho chamado Melquin. Mas evitou tocar no pequeno detalhe de um posterior olho roxo, que o deixou com o rosto dolorido por três dias.

Lupos confessou que não gostava de nada que envolvesse espadas ou qualquer outra arma de guerra. Não era, também, o tipo de garoto muito inclinado a brincadeiras. Emoldurava uma aparência infantil, mas suas palavras e atitudes levavam qualquer pessoa, em uma rápida análise, a dizer que ele amadurecera precocemente.

– Não estou dizendo que não vou assisti-lo no torneio, caso participe, só estou deixando claro que não gosto destas coisas – afirmou Lupos. – E se quiser posso ajudá-lo a procurar alguma coisa para treinar.

Desceram as escadas e foram aos fundos da hospedaria. Andaram em torno do estábulo, mas encontraram somente lenhas grossas e pedaços finos de gravetos, nada parecido com aquilo que Croune estava acostumado a usar em seus duelos.

Vasculharam dentro do estábulo e chegaram a ponderar a ideia de arrancar uma madeira perfeita da carroça de Vanguelb, mas, por sorte, optaram por vasculhar ao redor do cepo que servia para cortar lenha. Encontraram uma madeira comprida, a qual Croune julgou ser ideal para seu treinamento. Precisou dar uns pequenos ajustes, como diminuir o tamanho com a ajuda de um machado e tirar as arestas, para eliminar as felpas.

Experimentou o sarrafo modelado e constatou que não era confortável como a espada que tinha em Quiriate, porém serviria como objeto de treinamento. Não resistiu e fez alguns movimentos, só para se exibir para o amigo, que fez pouco caso dos floreios exagerados.

O Receptáculo de TéldrinWhere stories live. Discover now