PRÓLOGO

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O homem da bolsa de couro entrou às pressas em Celfalen, montado em um cavalo de pelo castanho. Apreensivo, olhou para trás com uma única intenção: ter a certeza de que não estava sendo seguido. A espada presa ao cinto saltitava ao lado da perna esquerda, acompanhando o movimento da montaria exausta. Os olhos do cavaleiro – não mais que dois minúsculos pontos brilhantes na penumbra - mantinham-se escondidos sob o espesso capuz que brotava da pesada capa. Em seu peito balançava um grande medalhão de ouro.

Intensa escuridão cobria o vilarejo naquela noite. Nuvens negras vagavam pelo céu, impedindo que o brilho lunar incidisse com liberdade sobre as humildes casas do pequeno povoado. Acima dos telhados de palha, se erguia preguiçosamente uma neblina úmida e fria. O vento estava ausente e os pinheiros que desenhavam a floresta Forfélon mantinham-se calados, deixando de reproduzir a melodia triste entoada pelo roçar de um galho no outro.

O homem encapuzado parou em frente à casa que costeava a floresta, apeou e amarrou o cavalo em um palanque lateral. Olhou em ambas as direções da rua, contemplando a cortina de névoa e o silêncio tumular. Apertou a bolsa de couro, desejando senti-la junto ao corpo, e só então caminhou até a porta de madeira, bateu duas vezes com o nó dos dedos e aguardou.

No interior da casa surgiram movimentos rápidos sobre o assoalho, seguidos pelo ringir de um trinco, depois outro e outro. Alguns centímetros de porta foram abertos, e um olho, acompanhado de um nariz pontudo, surgiu sorrateiramente na fresta escura.

– Sr. Farnac? – disse o servo da casa, espremendo os olhos na tentativa de enxergar o rosto sob o capuz. – Entre, senhor, entre, por favor. Meu Amo está à sua espera.

O cavaleiro entrou e seguiu o criado pela casa escura.

– Ontem, quando o Sr. Nibaz recebeu sua mensagem, ficou muito triste – comentou o servo, com um cacoete irritante de finalizar todas as frases com uma risadinha involuntária. – Lamentamos muito pelo ocorrido... Muito mesmo.

A porta diante da qual pararam tinha os pés cortados por uma fina linha de claridade; o servo empurrou-a, banhando o visitante com uma luz bruxuleante.

– O Sr. Farnac chegou, Meu Senhor – anunciou o servo.

Em seguida, fez um gesto com a mão e o visitante entrou.

– Com sua licença – disse o servo, saindo e fechando a porta.

O calor da sala iluminada pelo fogo dançante de uma lareira aqueceu a pele fria do recém-chegado. Um leve aroma de cravo passeava pelo ambiente. Dois quadros antigos, pintados em couro trabalhado, enfeitavam uma das paredes, separados pelos tijolos da lareira. No centro do assoalho de carvalho ficava uma pequena mesa comportando dois livros, um pedaço de papel dobrado, um envelope, uma garrafa de vinho e uma taça de prata. Na parede ao fundo o fogo desenhava a sombra fantasmagórica de um homem pensativo, sentado em uma poltrona de encosto alto.

– Fiquei preocupado – disse o homem diante da lareira, sem voltar o rosto ao visitante. – A carta dizia que você chegaria antes do anoitecer.

– Não imaginei que eles estivessem por toda parte – respondeu o encapuzado, com a voz ligeiramente rouca.

O anfitrião entendeu de que eles Farnac estava falando.

– Sente-se – apontou o homem para uma poltrona à sua frente.

– Ainda consigo me manter sobre os pés – respondeu Farnac.

– Aceita um vinho? Um chá?

Farnac levantou a mão, dispensando a cortesia.

O Receptáculo de TéldrinWhere stories live. Discover now