Capítulo 38

175 28 14
                                    

CECÍLIA

Américo Brasiliense, março de 2023

Eu segurava com força o pingente do colar que eu usava, enquanto via João dirigir, se aproximando casa vez mais da minha casa em Américo Brasiliense.

Quando ele parou o carro, virou para o lado esperando alguma reação minha.

— Tá tudo bem se você precisar de um tempinho — ele disse e em seguida segurou minha mão

— Não é como se fosse a primeira vez que eu vou ver o meu irmão nesses anos, mas sei lá... Acho que saber que o intuito de hoje é fazer as pazes me deixa nervosa

— Eu imagino. Tô aqui para você, Cici

— Obrigada — eu virei e dei-lhe um selinho — Eu te amo tanto

— Eu amo mais

Depois de um abraço apertado, eu abri a porta do carro e caminhei em direção ao portão.

Toquei a campainha e instantes depois a entrada da casa foi aberta.

— Você? — era Arthur que dizia, assim que me viu

— Oi, Arthur

— Tinha que estar junto com o inseparável namoradinho — ele disse com desdém quando viu o Jão ao meu lado

— Não vem com essa — eu respondi seca, puxando meu namorado pela mão ao entrar na casa — Oi, mamãe! Que saudade — eu abracei-a assim que a vi sentada no sofá

— Oi, minha princesinha!

Ela abraçou João também, sorridente demais.

Cumprimentei Flávia, que compensava a grosseria de meu irmão sendo sempre muito gentil comigo.

Conversamos por alguns minutos até Arthur puxar nossa mãe para a cozinha.

Acho que ele pensou que estava falando baixo, mas, da sala, podíamos ouvir tudo.

— Mãe, é meu aniversário. Não acredito que você teve coragem de chamar a Cecília

— Filho, ela é sua irmã. Eu só queria que vocês se resolvessem...

— Eu não quero me resolver com ela! Além de deixar a família de lado para ir para São Paulo, quando ela podia ter uma vida ótima aqui no interior, essa idiota ainda começou a namorar o cara que eu achava que era o meu melhor amigo. Parece que ela quer me tirar as coisas que eu gosto. Desde que a gente era menor era assim

— O João faz ela feliz, meu filho. Você devia se alegrar por sua irmã ter se ajeitado com alguém que, além de tudo, é seu amigo

— Será que é mesmo tão amigo assim? Porque, pelo que eu me lembre, desde que ele começou a conversar com a Cecília na época em que ele ainda morava aqui, eu sempre fiquei de lado. A amizade só voltou a ser a mesma quando eles terminaram aquele namorinho, que juravam que conseguiam esconder da cidade inteira. Aí, quando reencontrou ela, voltou a mandar mensagem de vez e nunca. Sempre foi a Cecília em primeiro. Não só com o João. Com todo mundo. A princesinha pode sair para estudar na capital e o otário aqui que dê conta de tudo dessa família

Nessa hora, eu decidi me levantar e ir até a cozinha. Eu não achava certo ele falar aquele monte de coisa sobre mim e meu namorado enquanto eu ficava aqui parada e calada.

Jão tentou segurar minha mão para me fazer parar, mas antes que eu me desse conta já estava cara a cara com meu irmão na cozinha.

— Arthur, o que você tem para falar ao meu respeito pode dizer em minha frente

— Eu não precis-

— Eu não terminei de falar — interrompi-o

Os olhos das pessoas a minha volta se arregalaram um pouco. Eu não costumava me impor assim.

— Eu nunca falei um "a" negativo de você. Sempre dei o meu melhor para ter empatia e entender seu lado, mas acho que no fim sou uma boba por acreditar que você faria o mesmo por mim — eu comecei a soltar tudo aquilo que estava preso na minha garganta por todos aqueles anos — Pior ainda é não querer minha felicidade por causa desse seu egoísmo de achar que as pessoas são só suas. O João nunca deixou de te tratar como melhor amigo por causa de mim. Convivo com ele todos os dias e posso falar isso com certeza. Sei o quanto ele vai atrás de você. Sei o quanto ele teve que conversar para você minimamente respeitar o nosso namoro. Você diz que ele te abandonou, mas aí eu pergunto: quantas vezes você foi visitar ele em São Paulo mesmo?

Ele continuou calado

— Foi o que eu pensei — eu disse e fiz uma pausa — Arthur, já se passaram oito anos que eu fui para São Paulo. São oito anos mal conversando com você, apesar de fazer de tudo para me reaproximar, porque te amo. Porque, apesar de tudo, quero voltar a ter aquela pessoa que é a única no mundo que pode me entender em qualquer momento. Só que, por favor, tenta ver meu lado. Tenta ver que era em São Paulo que estava meu sonho. E que eu precisava deixar esse lugar. Mas, apesar daquela cidade ter me dado muitas coisas, me tirou uma das mais importantes: você. E saber que eu não te tenho mais em minha vida todos os dias me machuca. Muito. Não estar perto, não poder acompanhar o seu noivado, não poder ver você mudando acaba comigo. Eu queria ter apoio e dar meu apoio, porque acredito que seja isso que irmãos fazem um pelo outro — algumas lágrimas começaram a escorrer, mas eu as limpei rapidamente, pois não queria parecer mais fraca — Arthur, eu entendo seu lado. E se você quiser que eu vá embora agora, eu prometo que vou, mas eu não posso deixar de tentar de novo. Eu não quero te perder

E então, eu fiquei em silêncio, assim como todo mundo naquele cômodo.

Acho que esperava que ele me mandasse embora, depois de tudo que eu falei.

Foram longos segundos em um silêncio mortal, até que eu senti braços me envolvendo.

Eu retribui seu carinho e chorei de soluçar com o rosto no peito de meu irmão.

— Eu te amo muito, Tuthu

— Também te amo, Ciça — eu ri do uso do apelido que ele usava anos atrás — Obrigado por insistir em mim

— Valeu a pena.

— Ci, eu nunca tive a oportunidade de dizer isso — ele olhou no fundo dos meus olhos — mas tenho muito orgulho dessa mulher corajosa que você se tornou... Eu acho que parte do porquê eu me afastei era que doía te ver você crescer e se tornar independente. Seguir sua vida sem precisar de mim

— Eu sempre vou precisar de você — eu sorri em meio àquelas lágrimas e abracei-o de novo

— Olha a mãe chorando — ele sussurrou em meu ouvido

Eu me virei e vi minha mãe aos prantos. Ela riu quando nós viu olhando para ela ao mesmo tempo

— Hoje é o melhor dia da minha vida — ela disse — Eu amo vocês, meus meninos

De relance, eu pude ver João com os olhinhos brilhando e aproveitei para puxa-lo para o abraço. Chamei Flávia também, porque queria que ela sempre se sentisse da família, especialmente porque logo mais ela seria parte.

Quando nos afastamos, Arthur voltou a falar

— Agora, prometo que vou ser um irmão e um amigo — ele olhou para João — bem melhor. Já vou marcar uma visita para São Paulo logo, logo

— Melhor já marcar uma visita para a Itália direto — minha mãe falou e uma onda de adrenalina correu por mim

— Como assim? — João disse confuso rindo um pouco para descontrair

Eu não tinha contado nada para ele ainda.

Meu coração começou a bater a mil por hora

— Uai, bobo! A transferência — minha mãe respondeu como se não fosse nada

— Do que você tá falando? — ele revezou seu olhar entre mim e ela e minha mãe me olhou com desespero, arrependida pelo momento em que abriu a boca — Cecí, do que sua mãe tá falando?

————
nota:
Cecilinha soltando os cachorros e Jão descobrindo cositas novas 😇🫶🏻
um episódio bem light de puro caos, do jeitinho que a gente ama

Rádio | JÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora