Capítulo 6

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CECÍLIA

Tá legal. Meu primeiro dia. Muita coisa poderia dar errado, mas eu seria positiva. Daria tudo certo.

Fiz um combinado comigo mesma de que se fosse pra isso funcionar, eu precisaria fingir que nunca vi aquele detalhe na música. E, acima de tudo, fingir que nada nunca aconteceu entre mim e meu atual chefe.

Tomei um banho, me vesti e comi.
Fui para o metrô e, felizmente, cheguei ao escritório 30 minutos antes da primeira reunião, então pude dar oi para todos direitinho e aprender como quase tudo ali funciona.

— Pessoal, a reunião já vai começar. O Jão só tá um pouquinho atrasado — disse Renan para todos que aguardavam

— Pra variar — completou Pedro

Eu dei uma risadinha e ele sorriu para mim.
Ainda não tinha uma opinião muito formada sobre Pedro Tófani. Quando o João está por perto ele é mais frio comigo, mas sempre parece alguém tão gentil.

Esperamos uns 10 minutos e João chegou.
Assim, a reunião logo começou.
Eu não tinha tanta importância no meio das decisões, mas havia avisado a equipe que precisava saber mais sobre a forma de trabalho deles e como seria a proposta do novo álbum do Jão, para assim ter mais ideias de criações.

— Tudo bem, vamos começar — iniciou Renan — Jão, como estão os avanços do álbum?

— Tá indo

— O que você quer dizer com isso? — indagou Pedro

— Eu tenho umas três ou quatro músicas que tenho certeza de que entrarão, mas para falar a verdade tá tudo muito bagunçado — ele parecia mais confuso a cada palavra que pronunciava

— Mas tem alguma proposta principal?

— Liberdade. — foi tudo que ele falou

Tomei notas de tudo isso.
A reunião prosseguiu. Discutiram sobre tudo. Estipularam prazos (curtos), conversaram mais um pouco sobre  o tema criado pelo cantor, apresentaram algumas ideias etc.
Peguei Jão me observando algumas vezes, mas ele sempre desviava o olhar quando eu percebia.

Depois do fim da reunião chamei João de canto para saber se ele tinha algum tempo para conversar sobre o trabalho que eu faria.
Ele disse que podia ir na sala dele em 10 minutos.
Estou na porta dele agora, com uma leve vergonha de entrar. Seria a primeira vez falando a sós com ele em 5 anos.

Bati na porta 2 vezes.

— Cecília? — ouvi sua voz perguntando do outro lado

— Sim... Posso entrar?

— Claro

...

JÃO

Assim que ela entrou, pedi que ela se sentasse e ela não demorou para começar a falar:

— Então, eu assisti a reunião e anotei bastante coisa. Mas, para saber o que você deve mostrar por suas roupas eu preciso de um pouco mais sobre o "Jão". Quem você é agora, João?

Eu fiquei quieto por alguns instantes e ela voltou a falar inquietamente

— Eu sei que pode parecer loucura sair falando tudo, porque a gente já se conhecia e não nos falamos há anos, mas seria muito bom ter essa noção. Se não quiser me contar o que foi, pode dizer o que quer ser daqui pra frente...

— Eu nunca tive problemas para conversar com você, acho que não tem por que criar algum agora — falei interrompendo seu falatório

Ela sorriu

— Cecí, desde que eu me mudei para São Paulo eu fiz de tudo. Nunca me imaginei onde estou. Ganhei muito daqui, mas também perdi muita coisa. Acho que a liberdade é sobre isso. Deixar coisas que você ama para trás e ir embora de novas coisas para amar

Eu observei ela anotando a frase e voltando seu olhar para mim, como se pedisse para que eu voltasse a falar.
Eu não planejava me abrir tanto, mas é como se algo no brilho de seus olhos tivesse magia e me fizesse falar sem parar

— No fim da produção de Anti-herói, eu passei por muita coisa difícil que me machuca até hoje. Desde então eu tenho vivido como um louco, sabe? Fazendo de tudo um pouco. Acho que fiz muitas coisas que não queria, mas no fim elas provam que existe liberdade em mim e me ajudam a ser quem eu sou

Ela me olhou compreensiva.

— Talvez você só me ache muito maluco depois dessa

— Eu é que teria que ser louca para não ver seu lado em tudo isso. Talvez você se ache maluco e incerto, mas eu acho bonito a forma como você busca se tornar melhor, Vitor — ela sempre teve o hábito de me chamar pelo segundo nome para brincar comigo — fico feliz por cada conquista que vejo sua

Uau, acho que essa frase — que, modéstia parte, já ouvi algumas vezes — nunca pareceu tão verdadeira e tão linda.

— Obrigada, Lia

Ficamos nos encarando por uns 30 segundos, que mais pareceram horas, até que eu interrompi isso

— Ah, tem algo que acho que  pode te ajudar na criação das roupas e tal — ela me olhou curiosa — eu tenho essa ideia desde Lobos. O plano sempre foi fazer um álbum pra cada elemento. Lobos é a terra, anti-herói o ar e esse novo deve ser fogo ou água. Só não sei qual ainda

— Você sempre foi genial

Sorri, envergonhado

— Obrigada por se abrir comigo. Eu vou dar o meu melhor para trazer tudo o que você está sentindo para roupas e para te ajudar a pensar nessa sua nova era — ela sorriu e pouco depois deixou a sala

Fiquei com um sorriso no rosto pelo resto do dia.

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