Capítulo 55: Não se afaste de mim.

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Diogo ainda morava com o pai e a madrasta, já que era literalmente do lado da universidade dele. Seu quarto era uma bagunça de troféus de vôlei e futebol, além de fotos da turma de Ed Física, nossas e de Melissa. Eu podia ouvir a risada de Júlia no andar de baixo, junto com a de Diogo. Os dois estavam preparando pipoca, mas eu tinha quase certeza que eles só estavam fazendo bagunça na cozinha.

—Como você se sente depois de fazer essas coisas? —Olhei para a tela do notebook, encontrando o rosto da doutora Rafaela cauteloso até demais. Ela estava viajando, então não poderia marcar um horário pra mim essa semana, mas fiquei feliz quando ela disse que podia falar comigo a noite, por ligação de vídeo.

—Me sinto mais leve do que em qualquer outro momento. Mas também sinto que deixei algo pra trás, que é impossível de recuperar. —Afirmei, umedecendo os lábios com a língua, enquanto encarava as rodinhas da cadeira em que eu estava sentada. —Estou com medo de não saber mais quem eu sou agora, já que tudo que eu sempre fiz foi ficar ao lado deles, mesmo quando eles não me queriam. Mas essa era a Manuela que eu conhecia.

—Talvez essa Manuela que você conhecia já não se encaixe mais em você. Você cresce, vive coisas novas e vê tudo com uma perspectiva diferente. A nova Manuela já não quer mais ser a mediadora dos pais, não é? —Murmurou, me fazendo balançar a cabeça que sim, porque eu realmente não queria mais. —Então isso só mostra que você sabe quem é agora.

Não respondi, porque não sabia bem o que aquilo significava. Eu me via de muitas formas diferentes naquele momento. A garota que foi adotada e não conseguiu ser amada pelos pais. A garota que tem TDAH e teve dificuldade de se acostumar com isso. A garota que correu atrás de alguma coisa a vida toda, mas sem saber ao certo o que.

—E quanto ao Bernardo? —Ela perguntou, já que meu silêncio pareceu durar demais pra ela. —Porque você acha que o que ele disse te machucou?

—Sei que o que ele falou era verdade. Sabia antes mesmo dele dizer. Só que eu estava vulnerável e só queria que tudo se acalmasse quando ele jogou aquilo em cima de mim. Eu não estava esperando que ele, especificamente, fosse me dizer aquilo. —Afirmei, com meus lábios tremendo. —Eu já havia sido machucada pelos meus pais várias vezes, então eu meio que já esperava por aquilo, mesmo que doesse. Mas Bernardo não. Ele sempre me entendeu e sempre ficou do meu lado. Só que aquele dia ele jogou mais coisas em cima de mim, quando eu não estava no melhor momento.

—Você esperava que ele te abraçasse e dissesse que ia ficar tudo bem, mas não foi isso que ele fez. —Ela constatou, e eu confirmei com a cabeça. —E agora?

Agora eu queria correr até ele e o abraçar apertado, ao mesmo tempo que queria me manter afastada para não me machucar de novo. Então a verdade é que eu não sabia. A nova Manuela estava perdida e eu não fazia ideia de como ajudá-la a se encontrar sem o peso dos pais adotivos sobre os ombros.

[...]

Eu e Júlia dormimos apertadas na cama de Diogo, enquanto ele havia se ajeitando no sofá da sala. Foi um dia estranho, já que não fui pra aula, depois passei minhas horas no trabalho como um zumbi, até vir pra casa de Diogo junto com Júlia. Mas não posso dizer que não gostei, porque foi bom passar um momento com os dois e esquecer o restante.

Na manhã seguinte o pai de Diogo deu carona pra eu e Júlia até nosso prédio, onde pegamos nossas coisas e fomos pra universidade. Não vi Bernardo em nenhum momento. Ele também havia desistido de me ligar, apesar do meu celular estar repleto de mensagens dele, que eu não tive coragem de ler.

Passei todas as aulas dispersa, querendo que o tempo passasse o mais rápido possível. Tudo que eu fazia era no piloto automático, até mesmo no trabalho. Fiquei aliviada quando o dia finalmente acabou e eu voltei pra casa com Júlia. Estava decidindo se deveria bater na porta de Bernardo ou mandar mensagem pra ele. Não sabia o que estava passando na cabeça dele nesse momento e tinha medo de imaginar também. Não nos falávamos a dois dias praticamente.

—O que você quer jantar? —Júlia indagou, enquanto se jogava no sofá, ainda com as roupas do mercado. —Eu tô esgualepada, então eu voto em pedir pizza.

—Por mim tudo bem. —Respondi no automático, soltando um suspiro pesado ao abrir a porta do meu quarto e acender a luz.

Congelei no lugar, absorvendo o cheiro de tinta fresca, ao mesmo tempo que meus olhos encontravam meu quarto inteiro pintado. Aquelas três paredes que eu deixei do mesmo jeito por tédio, estavam com o mesmo tom de roxo da outra. Aquela que eu havia pintado, estava decorada com desenhos de fórmulas estruturais de química, coloridas da forma que eu havia imaginado.

—Você emprestou sua chave pro Bernardo de novo, não é? —Exclamei, escutando Júlia rir da sala, o que era confirmação suficiente para aquela pergunta.

Só que dessa vez não foi ela que ganhou uma surpresa, foi eu. Havia perdido as contas de quantas vezes nesses dias Bernardo falou sobre terminarmos de pintar as paredes. Mas eu sempre deixava passar por preguiça. Só que mesmo agora, quando estamos sem se falar, ele apareceu aqui e fez isso por mim.

Me sentei na minha cama, olhando ao redor, sem conseguir pensar em mais nada, além de sentir meu coração tão acelerado que chegava a doer, com um sentimento quente e acolhedor dentro dele. Sem pensar, puxei meu celular e abri as mensagens de Bernardo, que eu havia evitado desde terça à noite.

Terça | 22:47

Bernardo
|5 ligações perdidas|
Manu.
Eu sinto muito.
Por favor, fala comigo.
Manu, por favor, me desculpa.
Eu não queria falar aquelas coisas pra você daquele jeito.
|8 ligações perdidas|

Ontem | 02:52

Eu sei que você não quer falar comigo, mas eu preciso mesmo que saiba que eu sinto muito. Tenho certeza que você sabe que eu não falei aquilo com a intenção de te machucar, mesmo que no final das contas tenha sido isso que eu fiz.
Tudo que eu queria naquele momento era te proteger daquelas pessoas horríveis, porque eles não merecerem um pingo do seu amor. Eu só percebi tarde demais que tinha escolhido o pior momento pra isso. Você estava vulnerável e chateada por conta do que o seu pai te disse e eu fui lá e joguei mais merda sobre você, quando eu deveria apenas ter ficado do seu lado e te apoiado.
Não se afaste de mim. Estou convivendo com você a dois anos, Manuela. Dois anos com você dentro da minha cabeça, tomando conta de cada maldito pensamento meu, enquanto eu me perguntava o porquê de você não gostar de mim. Então você falou comigo pela primeira vez e absolutamente tudo mudou. Não há nada no mundo que eu não pudesse fazer por você.
Por isso, se quiser continuar convivendo com seus pais, vou fazer isso com você. Se quiser se afastar deles, vou estar do seu lado pra te apoiar. Você merecia ter tido o amor de um pai e de uma mãe de verdade, mas não teve. Mas prometo pra você, Manu, que posso fazer isso pelos dois. Posso te dar todo o amor do mundo e ser a melhor pessoa da sua vida. Você nunca vai ser um peso pra mim e eu nunca vou deixar de ser apaixonado por você, não importa quanto tempo passe.


Continua....

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Where stories live. Discover now