Capítulo 30: O que foi que você fez?

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Fiquei em silêncio, porque tinha certeza que Manu não me contaria isso se estivesse sóbria, assim como eu também não fazia ideia de como reagir ou pensar sobre isso. Parecia algo pessoal demais, que ela jamais teria coragem de falar em voz alta.

—Eu estou aqui, Manu. —Falei, querendo que ela sentisse que eu estava ali e não iria embora. —Nunca vou deixar você. Nunca vou odiá-la. Eu estou aqui.

—Eles me trocaram por um cachorro. —Ela se aconchegou mais em mim e eu percebi que ela estava chorando. Aquilo fez meu coração se apertar, enquanto eu odiava as pessoas que a fizeram se sentir assim. —Eles nem se lembram da minha existência.

—Shiii! —Beijei a testa dela, a apertando mais contra mim, querendo que ela esquecesse de tudo. —Eu estou aqui, Manu. Não vou sair do seu lado nunca.

Fiquei repetindo isso até ela finalmente pegar no sono. Mesmo que tivesse prometido a mim mesmo que iria embora assim que ela dormisse, eu continuei ali, olhando para a escuridão e sentindo o cheiro dela, enquanto absorvia o que ela havia me dito. Demorei muito, muito mesmo para dormir.

Quando acordei de manhã, já havia uma pouca claridade entrando pelas cortinas, deixando o quarto parcialmente iluminado. Manuela ainda estava dormindo, enroscada em mim como se tivesse medo que eu fugisse durante a noite.

Soltei um suspiro ao esfregar as têmporas, lembrando do que havia acontecido a noite. Me afastei dela com cuidado, até conseguir sair da cama. Peguei a coberta do chão coloquei sobre ela, observando ela se remexer até voltar a dormir.

—Ninguém tem o direito de fazer você se sentir um peso, linda. —Beijei a testa dela depois de tirar os fios de cabelo que caiam no seu rosto. —Ninguém.

Sai do apartamento em silêncio, não querendo acordar ela e muito menos Júlia. Quando entrei no meu apartamento, pude sentir o cheiro de café que estava tomando conta do corredor, fazendo minha barriga roncar de fome. Não havia comido nada ontem a noite e tinha quase certeza que Manu também não.

—Parece que a noite foi boa. —Eduardo estava se servindo de café quando entrei na cozinha, abrindo um sorriso ao apontar para o meu pescoço. Levei a mão involuntariamente até o local que Manuela havia me dado um chupão, sentindo a pele um pouco sensível.

—Não rolou nada. Ela estava super bêbada. —Afirmei, vendo ele comprimir os lábios e exibir uma expressão solene, antes de fazer uma careta quando roubei seu café. —E o Felipe e a Érika?

—Ele chegou tarde ontem a noite, parecendo super irritado. Tentei falar com ele, mas ele se trancou no quarto. —Eduardo se serviu de novo, antes de me seguir até a sala. —Parece que todo mundo estava irritado, porque a Érika também voltou pra casa de cara feia e não quis conversar comigo.

—Ótima noite pra todo mundo pelo visto. —Soltei, vendo Felipe aparecer no corredor e então olhar pra nós dois, enrugando os lábios em cansaço, como se não tivesse dormido direito. —Você foi atrás da Júlia, não foi?

—Eu? Claro que não. —Ele seguiu para a cozinha, fazendo eu e Eduardo trocamos um olhar demorado, porque sabíamos que ele estava mentindo.

[...]

Eu havia mandado mensagem pra Manu depois que sai do apartamento dela. Ela me respondeu apenas no início da tarde, uma frase curta agradecendo por eu tê-la levado pra casa. Quando perguntei se ela queria se encontrar comigo mais tarde, ela respondeu que estava ocupada e então um buraco pareceu se abrir entre nós dois. Não sabia se ela se lembrava do que tinha acontecido e do que tinha me contado. Só esperava que isso não mudasse as coisas entre nós.

Ergui a cabeça quando escutei duas vozes que eu conhecia muito bem, conversando e rindo super animados enquanto passavam pelas portas do aeroporto. Abri um sorriso, antes de acenar para os dois quando eles olharam pelo estacionamento e me viram.

—Ah, ele está aqui, querido! —Minha mãe abriu um sorriso enorme, soltando a mala antes de vir correndo na minha direção, me esmagando em um abraço. —Eu senti tanta saudades!

—Eu também. Vocês não voltavam nunca. —Minha mãe se afastou, apertando minhas bochechas, antes de deixar meu pai se aproximar para me abraçar também. —Como estão as coisas por lá?

—A pequena Charlote nasceu! —Minha mãe puxou o celular super animada. —Você precisa conhecê-la, Bernardo, ela é a cara da sua prima. —Ela virou o celular pra mim, me fazendo sorrir quando vi a foto da bebê gorducha de bochechas rosadas, chorando no colo do marido da minha prima. —Na próxima viagem, você vai com a gente.

—Quando eu tiver de férias, de preferência. —Falei, abrindo a porta do carro pra minha mãe. —Mas vocês sempre viajam quando eu estou ocupado.

—Não podíamos não ir dessa vez. —Minha mãe retrucou. —Mas eu trouxe várias lembrancinhas.

—O que fez enquanto estivemos fora? Você quase não tinha tempo pra atender nossas ligações. —Meu pai afirmou, assim que entramos no carro. —As coisas estão bem na universidade?

—Estão sim. Só foi um pouco corrido. —Olhei para minha mãe, que estava colocando o cinto ao meu lado, antes de encarar o volante com uma sensação de desconforto no meu peito. —Estou ajudando uma colega em cálculo.

—Um dos seus amigos? A gente conhece? —Minha mãe deu um tapinha no meu ombro quando percebeu que eu estava demorando demais para ligar o carro. Mas eu precisava de uns minutos antes de conseguir.

—Não, ela estuda química, mas não comigo. —Afirmei, olhando para o meu pai pelo espelho, vendo que ele estava me encarando com uma expressão curiosa. —O nome dela é Manuela.

—Manuela? —Minha mãe repetiu o nome, enquanto eu finalmente conseguia ligar o carro para sairmos dali. —Esse não é o nome daquela outra garota que você falou uma vez? —Eu comprimi meus lábios, olhando pra rua enquanto saia do aeroporto. —O que foi que ele disse, Bruno?

—Que ela era a garota mais linda que ele já tinha visto. —Meu pai repetiu minhas palavras de dois anos atrás, que eles costumam citar sempre que queriam reclamar de eu nunca levar uma namorada para conhecê-los. Podia sentir que ele estava sorrindo as minhas custas, mas ele não podia dizer nada depois de ficar atrás da minha mãe por um ano inteiro.

—Isso! —Dona Eloísa soltou uma risada, balançando a cabeça negativamente. —Que ela era a garota mais linda que ele já tinha visto. O nome dela não era Manuela?

—Tenho quase certeza que era, querida. —Meu pai respondeu, provavelmente ligando uma coisa a outra.

—Mãe, elas são a mesma pessoa. —Afirmei, soltando uma risada quando ela se virou bruscamente pra mim, com uma expressão exultante. —Estamos nos aproximando.

—Pensei que ela não falasse com você. —Meu pai comentou no banco de trás, fazendo minha mãe olhar pra ele e depois pra mim.

—Por que ela não falava com você? —Minha mãe fechou a cara quando eu demorei pra responder, porque eu não sabia bem como resumir toda a história, mesmo que meu pai soubesse parte dela. —Bernardo Alves, o que foi que você fez?

Eu suspirei, porque sabia que estava ferrado, mesmo não tendo feito nada.



Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora