34. Apêndice

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Segunda-feira, 07 de Março, 2022

23:43

O caminho da delegacia até o seu apartamento foi longo e silencioso. Marta passou a maior parte do tempo grudada em seu celular com um fone de ouvido pendurado na orelha em reunião. Aquela situação era urgente demais para deixar para uma outra hora.

Apenas a sua ida até a delegacia para "salvar" Silvio possivelmente deixou uma enorme ferida na sua popularidade para a reeleição, para Marta Bragança aquilo era a coisa mais preciosa a qual deveria focar no momento.

Elizabeth havia jogado sujo, certamente. A notícia de que teria uma outra pessoa na casa do Duarte na noite do crime logo estaria em todos os jornais, e os comentários se espalhariam por todo estado em questão de minutos.

Tudo isso, somado ao fato de que Silvio era um dos principais suspeitos, poderia acabar arruinando as chances de Marta de voltar a ser governadora por mais quatro anos.

Entraram no prédio, subiram o elevador e aguardam todos os trinta e seis andarem em completo silêncio, ao menos desta vez Marta não estava mais grudada naquele maldito telefone, mesmo assim, estava decidida a ignorar Silvio pelo resto da noite.

Por fim, quando se encontraram na segurança de sua casa, com Silvio trancando a porta e ficando a sós com ela, Marta abriu a boca.

– O que mais eles tem para nos alfinetar? - jogou a bolsa de mão sobre o sofá e sentou-se no braço da poltrona só para livrar os pés do salto que calçava.

– Estão dando duro, eu admiro isso - Silvio tratou de tirar a gravata e o blazer, abriu quatro botões da camisa social e se deixou respirar – Pensei que João Bárbara era um dos seus.

– Ele é.

– Então por que não assumiu logo o caso e tirou essas duas pedras do nosso caminho?

– Tratei de fazer isso, mas João é tão confiável quanto eles. O que posso fazer? Ele é um apêndice.

Apêndice, ela disse. A quase dois anos atrás Sílvio teve de fazer uma cirurgia de emergência quando o resultado dos exames médicos sobre as suas dores abdominais foram o apêndice inflamado.

Então, desde que aprendeu que o apêndice é um órgão totalmente inútil no corpo humano, que servia apenas para causar fortes dores e morte, e que poderia ser descartado sem maiores consequências, Marta começou a se referir aqueles que estavam começando a dar dor de cabeça e poderiam ser descartados, como apêndice.

Particularmente, Silvio odiava aquela expressão. Principalmente agora. Marta passou a usá-la mais do que o necessário.

Demitiu uma funcionária de seu gabinete com a desculpa de que ela passou a se tornar um apêndice; fez o mesmo com o motorista no mês passado e logo depois com a cozinheira.

Apêndices, apêndices, apêndices, Marta estava cercada por apêndices.

– Não custaria nada ele tomar a responsabilidade do caso para si - Silvio resmungou, sentindo-se cansado, precisava de um remédio para a dor de cabeça e um copo de whisky – A culpa teria caído pro garoto Duarte a tempos.

Ele observou que os outros cômodos da casa estavam caídos em escuridão, tomando nota de que as empregadas já haviam ido embora. Despretensiosamente olhou para o relógio em seu pulso. Já era tarde, muito tarde.

– Mesmo assim, nada disso teria acontecido se tivesse ouvido os meus conselhos e ficado longe do Daniel - Demorou mas finalmente aquela dura veio. Lógico que iria vir, Marta não perderia aquela oportunidade – Sabe o quanto minha reputação deve continuar intacta, neste ano principalmente. Mas você tinha que tirar o pau para fora das calças por uma cadelinha de esquina e se juntar com uma das piores pessoas que esse mundo já teve.

O Misterioso Caso Duarte [Em Revisão}Where stories live. Discover now