14. Sr. & Sra. Bragança

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Quinta-feira, 27 de Janeiro, 2022

15:03

O Projeto Família daquele bairro se localizava num galpão aberto, com a luz do dia iluminando tudo. Assim que os agentes entraram pela porta foram recebidos por uma moça sorridente, vestindo uma blusa preta com o logo do Projeto social desenhada nela.

- Sejam bem vindos - disse entregando aos agentes dois panfletos - Sintam-se em casa, temos café, água e bolo nas mesinhas do canto. Se estiverem interessados num dos nossos programas sociais, em fazer doações ou mais informações sobre quem ajudamos, é só falar com a Valquiria.

- Nós só viemos dar uma olhadinha - Royal disse aquilo aceitando os panfletos.

Continuaram o caminho até a fileira de cadeiras viradas para um palanque, lá a governadora Marta dava um discurso para dezenas de pessoas, sua maioria moradores daquele bairro e alguns jornalistas.

Seis banners estavam espalhados pelo galpão, com tendas pequenas montadas. Elizabeth tomou nota de que aqueles seriam os programas sociais oferecidos pela instituição Família.

Havia programa de costuras, curso de confeitaria, aulas para concursos públicos e Enem. Os esportes como futebol, natação e vôlei prometiam tirar os jovens da violência nas ruas, e era naquelas tendas onde os jovens mais se aglomeravam.

Eliza tirou os olhos dos banners e voltou a atenção para o discurso da governadora. Ela havia acabado de comentar um fato de sua vida engraçado, e todos deram uma breve gargalhada.

- ...E eu não estou falando? Vocês não acreditam, me veem vestida assim e começam a pensar que sou isso e aquilo. Mas sinceramente? Isso é só uma fachada, não sou essa mulher fresca que me pintam. Querem conversar? Me chamem, eu sento com qualquer um, debato sobre futebol, tarefas do lar e novelas. Vou para churrasco, feijoada, samba. Meu Deus como eu amo um sambinha - protagonizou uma dança - Só não me chamem para comer buchada, aí sim eu digo que sou fresca mesmo.

Aquilo trouxe para a sua plateia mais uma onda de breves gargalhadas. O sorriso no rosto da governadora foi espremido.

- Eu sou uma mulher como vocês. Eu sangro se me cortarem, eu choro quando estou triste e me descabelo quando estou com raiva. Cresci num lugar pobre no meio do sertão, sem água para beber e muitas vezes sem comida. Eu sei o que é não ter nada no armário para alimentar os filhos no fim do dia.

"Quando eu tinha uns nove anos, andava quase cinco quilômetros com um balde pesado na cabeça, uma vez por quinzena, até o centro da cidade que morava, só para buscar água quando o caminhão pipa trazia. E olha que nem sempre havia água para todos.

"Eu, Marta Bragança, sei o que é ter um pai, desculpem o palavreado, VAGABUNDO dentro de casa, que só pensa em beber e agredir sua família. Sua esposa. Minha mãe viveu até os quarenta e dois anos Morreu jovem. Era uma mulher batalhadora, tirava do seu prato para que suas três filhas tivessem o que comer no fim do dia, suportava as agressões de um cabra safado bêbado, só porque não tínhamos para onde ir.

"Eu cresci vendo minha mãe sofrer nas mãos do pior homem de sua vida. Se sujeitando a humilhação extrema. Casada desde os quatorze anos com um homem que dizia ser seu dono. Quando me estabeleci aqui em Recife, podendo pagar minhas próprias contas sozinha, fiz de tudo para buscar minha mãe no sertão, para sair do sofrimento. Longe daquele canalha. E quando ela chegou aqui, eu finalmente pude perguntar o porquê dela se sujeitar a tanto.

"E sabem o que ela respondeu? 'E o que eu deveria ter feito, filha? Mulher sozinha, com três crias debaixo das asas, sem ter para onde ir. Sem ter dinheiro. O que eu poderia ter feito? João era ruim, mas João só tocava em mim, em vocês ele nunca tocou num fio de cabelo. Que garantia eu teria da segurança de vocês se fosse embora?"

O Misterioso Caso Duarte [Em Revisão}Where stories live. Discover now