14- A princesa e seu Tesouro

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   Certa vez, a frase "O perigo está ao lado" me fez rir. Não porque duvidava que fosse verdade ou porque não o temia. Mas pelo contrário, o perigo sempre esteve à espreita, esperando para te atacar como aqueles espíritos obsessores atacam quem esquece de rezar a noite. Era a frase mais verdadeira que eu já havia lido e por grande parte da minha vida, evitei o perigo como os espíritos evitavam bispos com água benta. E sinceramente, não me arrependo.

Assim que cheguei em casa fui alimentar Nezuko e trocar sua água. Ela me recebeu na porta da gaiola, me olhando como se esperasse algo a mais de mim. A peguei nas mãos, a pequenina aconchegou-se em minhas palmas enquanto suas enormes orbes me fitavam. Como se em silêncio dissesse "Senti sua falta, sabia? Me deixou aqui sozinha. Não faça isso outra vez."

Acariciei sua pelagem fina com o indicador, a fazendo se agitar um pouco pela aproximação repentina. Apesar de nos conhecermos há quase um ano e meio, nunca fomos do tipo que demonstra amor.

Isso nunca foi um problema pra mim.

Assim que a guardei fui até o banheiro. Deixando a braçadeira de Jungkook ao lado do meu computador.

Me vendo no espelho preso a porta, depois de tudo o que se passou, me senti um tanto egoísta, assustada e extremamente hipócrita. Poderia ter me ferido gravemente ou pior. O corpo dolorido, as feridas avermelhadas com sangue seco, as marcas roxas, o corte em minha testa. Assim como os cacos de vidro presos em minhas mechas de cabelo e minhas roupas com sangue só comprovaram o quão imprudente fui.

Me surpreendi por Jackson Wang não ter se referido a isso em momento algum.

Mas ao mesmo tempo, não me arrependi, por mais que fosse óbvio que jamais me submeteria a fazer aquilo outra vez.

Aquilo, por mais errado que fosse, acendeu algo dentro de mim.

Para quem estava quase desistindo de viver, pensando que a vida era apenas uma longa viagem no trem fantasma e estava prestes a se jogar do carrinho, aquela noite foi o motivo que me fez apertar o cinto e esperar pela próxima curva. Como se eu estivesse morrendo e a adrenalina liberada em minha corrente sanguínea nos últimos dias tivesse sido a dose certa que permitisse com que a primeira descarga do desfibrilador fizesse acelerar meus batimentos e eu novamente me sentir viva.

Mas como qualquer um que ousasse se aventurar pelo perigo, sofreria consequências severas que eu sequer estava cogitando naquele momento. Assumiria o risco caso algo desse errado e jamais acusaria Jungkook pelo que ocorreu. Mas não estava ilesa das desventuras que me aguardavam depois dessa noite. E isso envolvia tio Jin.

Retirei as roupas e entrei no chuveiro, sentindo a água quente relaxar meus músculos doloridos e arder as feridas abertas. Aos poucos a pequena poça abaixo de mim foi deixando de ser vermelha e se tornando incolor como de costume. Poderia jurar que o banho que tomei teria durado quase uma hora se não fosse pela minha barriga roncando de fome.

Coloquei meu roupão rosa chá, deixei os cabelos molhados secarem sozinhos e coloquei minhas pantufas do Mike Wazowski. O sorriso do personagem naquela pantufa era assustador demais, mas não disse isso ao tio Jin quando recebi de natal há dois anos. Eram confortáveis de toda forma.

Me dirigi à cozinha e coloquei no micro-ondas o restante de macarrão com almôndegas que havia sobrado na geladeira.

Antes que os minutos terminassem e o pip do aparelho fosse dado, corri até meu quarto.

Um barulho ruidoso e alto foi o motivo de meu coração disparar e eu achar que algo estava acontecendo com Nezuko. Mas ao vê-la, estava em sua rodinha, animada.

Mais uma vez ouvi o barulho e parei no quarto para ver de onde vinha.

Na terceira vez percebi vir da minha janela, fui até lá e olhei cuidadosamente para baixo, abrindo a mesma após os cabelos roxos de Jungkook brilharem na noite ao lado da moto de Hoseok.

Whisky CerejaWhere stories live. Discover now