40. A vez em que um jovem órfão testemunhou a reparação de um erro do passado

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[NOTA DO AUTOR: Se por acaso você chegou até aqui sem ler o conto do Alphaeos, em "O Clube da Lua: Laços Antigos", eu sugiro fazer a leitura para não ficar perdido no que rola neste capítulo]


A tarefa de fortificação do Véu era muito mais difícil do que me parecera à primeira vista. Mesmo sendo um procedimento simples em teoria, o ato de manipular e transferir energia mágica era exaustivo e cobrava um alto preço dos nossos corpos. Apesar do cansaço e das dores musculares, porém, me mantive firme e agradeci mentalmente por poder contar com a magia poderosa do cernuno e, graças a ela, ser capaz de dar continuidade àquela missão sem maiores problemas.

De onde eu estava, eu mal conseguia enxergar o que se passava mais adiante, no campo de batalha. Ainda assim, apesar de estar alheio aos acontecimentos ao meu redor, era fácil perceber que a situação não parecia favorável aos meus aliados e que havia grandes chances daquela noite não acabar nada bem. Em determinado momento, eu ouvi um grito horripilante, que me pareceu muito pertencer à Tatianna, e, logo depois daquilo, a violência da batalha deve ter atingido níveis extremos, já que o Véu foi ficando ainda mais instável, se é que aquilo era possível.

Eu tinha esperanças de que aquele pesadelo logo acabasse, mas, indo contra todas as minhas expectativas, o confronto se estendeu por horas a fio, avançando madrugada adentro, aparentemente sem previsões para terminar. O tempo prolongado que passamos no círculo, porém, finalmente cobrou o seu preço, e logo os bruxos mais velhos ou mais frágeis começaram a cair um a um, desmaiando de exaustão. Ao perceber o que acontecia, olhei para Eleonora, esperando que ela me desse algum tipo de orientação sobre como proceder, mas a jovem sacerdotisa apenas me recomendou ignorar o que se passava ao nosso redor e continuar enviando energia mágica para o Véu.

A diminuição de bruxos no círculo acabou causando algumas consequências inesperadas, porém. As rachaduras no Véu, que tanto tentávamos emendar, se comportavam como grandes drenos, sugando a magia ao seu redor numa tentativa desesperada de auto regeneração. Assim que o fluxo de energia que enviávamos para o céu diminuiu por conta dos bruxos desmaiados, o Véu imediatamente passou a exigir mais e mais daqueles que ainda estavam de pé, inclusive de mim. Era como se a barreira acima das nossas cabeças agisse como um grande imã, sugando o máximo de nossas forças para si e as absorvendo incessantemente, movida por uma fome que nunca era saciada.

Observei Órion se agitar no meu braço, provavelmente também sendo afetado por aquela extração de energia mágica a qual estávamos todos sendo submetidos. Tentei me comunicar com o meu animal familiar, procurando acalmá-lo, e só então percebi que eu já não era mais capaz de articular palavras ou emitir som algum. Eu estava completamente preso naquela corrente poderosa de energia e, pouco a pouco, fui perdendo o controle sobre o meu corpo. Por alguns instantes, deduzi que eu deveria estar prestes a desmaiar, assim como ocorrera com boa parte dos bruxos do círculo, mas, para a minha surpresa, não foi aquilo que aconteceu.

Sem que eu conseguisse fazer nada para impedir, senti minha consciência sendo removida do meu corpo e incorporada ao Véu, como um peixe fisgado por um anzol e tirado à força de dentro d'água. Demorei alguns minutos para entender o que acontecia, mas, quando olhei para baixo e vi meu corpo paralisado, no solo, a metros de distância, na mesma posição que eu ocupara no círculo nas últimas horas, entendi que meu espírito havia de alguma forma se separado da minha forma física e agora estava livre, pronto para vagar por toda a extensão da barreira mágica que protegia aquela região.

Apesar de ser uma sensação assustadora num primeiro momento, eu logo entendi que ainda estava vivo e era capaz de controlar minha movimentação, sendo muito fácil retornar ao meu corpo assim que eu quisesse, e por isso não me desesperei. E, sentindo-me seguro, decidi aproveitar aquela oportunidade, em que eu conseguia voar livremente sem ser percebido, para descobrir se meus amigos estavam todos bem e entender o que acontecia de fato no campo de batalha.

O Clube da Lua e a Noite Sem Fim (Livro 3 - em andamento)Where stories live. Discover now