2. A vez em que um jovem órfão se encontrou com um rei

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Todas as sextas repetíamos a mesma rotina. Alfredo me levava até o quarto de Leocaster, espetava uma agulha em meu braço e fazia uma transfusão de sangue do meu corpo para o corpo do príncipe dos morcegos da América do Sul.

— Você não precisa ficar aqui se não quiser — informei ao vampiro, que permanecia em pé ao lado da cama. — Não tem porquê fingir que aprecia a minha companhia. E você sabe muito bem que eu nunca faria nada de ruim contra o Leo.

Alfredo ficou em silêncio por alguns segundos, refletindo, antes de responder.

— Tudo bem então, eu volto assim que o tempo da transfusão terminar — suspirou ele, finalmente dando-se por vencido. — Só não se esqueça de que há dezenas de câmeras vigiando cada movimento seu e inúmeros guardas a postos, caso você tente alguma gracinha...

— Ui ui, como os morcegos são assustadores e malvados!!! — debochei, sem paciência para aquelas ameaças. Alfredo apenas sacudiu a cabeça, indignado com meu comportamento, e finalmente saiu do quarto.

Aproveitei aquele que era um dos raros momentos em que eu conseguia ficar sozinho naquela mansão para fechar meus olhos e tentar organizar meus pensamentos. Porém, por mais que eu me esforçasse, uma única ideia pulsava em minha mente, impedindo-me de pensar em qualquer outra coisa: Ian. Aonde você está, Ian?

— Eu tô aqui, Davi. Sempre estive.

Abri os olhos, atraído por aquela voz que era música para os meus ouvidos, e pude vê-lo ali, materializado na poltrona à minha frente. Durante as últimas semanas, eu recorria cada vez mais ao hábito de imaginar que Ian estava ao meu lado para poder conversar com ele, como se fosse um amigo imaginário, ou algo do tipo, numa tentativa vã de amenizar a falta que ele me fazia.

— Eu sei que você não é real — suspirei, entristecido. — É apenas um produto da minha cabeça perturbada, cansada de sofrer e de sentir saudades...

— Ainda assim, não é melhor conversar comigo do que ficar sozinho? — a miragem de Ian me perguntou.

— Pensando por esse lado, você até que tem um bom argumento — concordei. — E sobre o quê você tá a fim de conversar hoje?

— Você poderia começar me explicando o que tá fazendo conectado a um cadáver, por exemplo... — ele mencionou, apontando para o corpo sem vida de Leocaster.

— Ele não tá "morto-morto" — expliquei. — Só "um pouco-morto". Você sabe, ele é um vampiro. É difícil pra eles morrerem de verdade.

— Não era mais simples arrancar logo essa adaga de uma vez? — Ian quis saber, observando mais de perto a relíquia de poder cravada na carne de Leo.

— Os vampiros médicos examinaram ele por horas assim que chegamos aqui, fizeram vários exames e raios-X, e concluíram que remover a adaga seria fatal — informei, repetindo a explicação que Alfredo me dera. — O cérebro e o coração são os pontos fracos dos morcegos, então eles tiveram que ser extremamente cuidadosos. Por isso estão o mantendo vivo e o fortalecendo, pra que o próprio corpo dele se regenere e consiga expelir a lâmina por conta própria.

— E isso tá dando certo? — Ian questionou, descrente.

— Aparentemente sim, mas o progresso é bastante lento — revelei. — Normalmente leva semanas pra que o Leo consiga colocar pra fora um mísero centímetro da lâmina... Acho que ainda vai demorar um pouco pra ele ficar bom de novo...

— E por que ele tá desacordado? Eu lembro muito bem que ele tava consciente e falando com a gente antes de nos separarmos, em Esmeraldina... — mencionou Ian.

O Clube da Lua e a Noite Sem Fim (Livro 3 - em andamento)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz