34. A vez em que um jovem órfão teve um desejo atendido

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As semanas se passavam sem grandes novidades e eu me apegava à minha rotina na empresa, para evitar entrar numa espiral de ansiedade e preocupação. Era terrível saber que, muito em breve, eu seria arrastado de volta para Esmeraldina e para todas as situações inacabadas que eu e os meus amigos do Clube da Lua havíamos deixado para trás; mas, pior do que isso, o que mais me afetava era não fazer a mínima ideia de quando aquele retorno aconteceria de fato.

Nos dias que se sucederam à minha discussão com Leo e o meu subsequente ataque de pânico, o príncipe vampiro tinha se mantido distante de mim durante a maior parte do tempo. Nós mal nos cruzávamos na mansão e, quando isso raramente acontecia, nossa troca de palavras se limitava a cumprimentos. Sempre que eu tentava puxar papo, ele dava alguma desculpa, desconversava, dizia estar ocupado ou ter assuntos a resolver com o pai e se afastava de mim o mais rápido possível.

Eu continuava oferecendo meu sangue periodicamente, conforme estipulado no contrato, mas, depois do fiasco da última vez em que Leo tentou beber diretamente de mim, havíamos voltado a fazer coletas em bolsas hospitalares, que eram levadas até ele por Alphaeos, de maneira que eu e o herdeiro do trono sequer nos víamos em tais ocasiões. Eu não sabia como interpretar aquela atitude dele em relação a mim e preferia pensar que Leo estava agindo de tal forma para me preservar e para evitar conflitos enquanto estivéssemos presos naquele acordo, sob o olhar atento do Vampiro Rei. Porém, em meu íntimo, eu não deixava de me perguntar como tudo aquilo impactaria na minha amizade com ele e o que aconteceria quando estivéssemos todos juntos novamente, em Esmeraldina.

Para o meu alívio, eu ao menos tinha tomado gosto pela função que vinha desempenhando na empresa e me dedicava ao meu trabalho mais e mais. É bem verdade que eu ainda era completamente inexperiente quando assumira a presidência meses antes, assim que fui trazido à capital, mas me orgulhava de todo o progresso que eu vinha fazendo desde então. Eu havia aprendido muita coisa ao longo daquele semestre e, por mais irônico que pudesse parecer, já não me ressentia tanto pelo fato de o meu pai ter feito aquele testamento absurdo, que me obrigava a tomar conta dos negócios da família para ter direito à minha herança.

Como o clima na residência dos vampiros era cada vez mais desconfortável, eu me agarrava a qualquer desculpa que me fizesse ficar longe de lá pelo maior tempo possível. Naquele dia mesmo, por exemplo, eu aceitara fazer algumas videoconferências não planejadas com potenciais investidores, todas agendadas de última hora, e, graças ao tempo gasto com aquilo, já era quase meia-noite quando finalmente retornei para o condomínio.

Eu havia pedido a Roman para que ele deixasse o jantar no meu quarto nos dias em que eu precisasse trabalhar até mais tarde; dessa forma, eu chegava na mansão e já ia direto para os meus aposentos, sem precisar me dar ao trabalho de me encontrar ou interagir com ninguém. Sabendo daquilo, percorri os corredores de sempre assim que cheguei, em tal horário praticamente desertos e ocupados apenas por alguns vampiros que cuidavam da segurança da casa. Quando parei diante da porta do meu quarto, porém, reparei que ela estava entreaberta, como se alguém houvesse saído com pressa e não tivesse se dado ao trabalho de fechá-la por completo.

A princípio, ignorei aquele detalhe nada usual e entrei no cômodo sem dar muita importância, desabotoando meu paletó e o jogando sobre a primeira poltrona que vi na minha frente. Órion estava adormecido em seu aquário, mas, dessa vez, ele escolhera repousar ali por vontade própria, já que o recipiente não ficava mais trancado desde que Leo tinha ordenado que o meu familiar fosse solto, deixando-o livre para circular pelo meu quarto. As luzes do aposento estavam todas apagadas, como de costume, com exceção de uma única luminária que ficava posicionada exatamente sobre a mesa que eu usava para comer.

Tirei os sapatos e caminhei até lá, exausto e faminto, até reparar num segundo detalhe incomum, que finalmente me fez perceber que talvez houvesse mesmo alguma coisa estranha acontecendo por ali. Em cima da mesa havia bem mais comida do que de costume, e, não bastasse isso, algumas travessas estavam remexidas, como se alguém já houvesse se servido de uma porção e tivesse deixado o restante para mim.

O Clube da Lua e a Noite Sem Fim (Livro 3 - em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora