Sei que mal nos conhecemos, mas...

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Quando cheguei no quintal da casa do distrito das flores, já estavam todos me esperando e ficaram bravos comigo pela demora.

— Dissemos assim que o sol se pôr, lembra? — disse a Velma, impaciente.

— Me desculpem. Eu trabalho, não consigo chegar tão cedo.

— Bem, corre porque a Alex já está te esperando na porta com a oferenda — ela disse, dando-me um empurrãozinho. Corri para lá e encontrei uma menina franzina e assustada com uma cabra na mão.

— Você tem certeza de que quer entrar? — perguntei, pois parecia muito nervosa. Ela balançou a cabeça em sinal positivo, segurando ainda mais forte a cabra, como se fosse o seu próprio filho.

Abri a porta e, como na noite anterior, fui direto até o quarto iluminado. Pude sentir o medo da pobre Alex ao ir deixar a cabra no outro cômodo. Ela logo voltou correndo para o quarto onde eu estava.

— Apenas mantenha a calma... — eu disse a ela.

Eu, por outro lado, mal podia esperar para ver Guilherme.

Então ouvimos o grito final da cabra. Alex deu um pulo e, tremendo muito, parecia que ia começar a chorar a qualquer momento.

— Quer sair? — perguntei, então o Guilherme apareceu à porta. Ele segurava a cabra com a sua cabeça balançando, como se estivesse presa por um fio. Havia muito sangue. Em questão de segundos após aquela cena horrível, a pobre Alex desmaiou. Consegui segurá-la antes de cair e logo a acomodei na cama.

— Assim está melhor — Guilherme falou, colocando a cabra no chão do corredor. — Deixe-a aí.— Ele se referia a Alex. — Tão logo ela não há de acordar.

Percebi que havia feito aquilo intencionalmente para ficarmos a sós.

— Que bom revê-la, mãe. — ele disse sorrindo.

— Igualmente — falei. Ele se aproximou e perguntou:

— Sei que mal nos conhecemos, mas... permite-me que lhe dê o beijo da morte? — Isso soou de um jeito muito fofo. — Decerto, não iria matá-la.

Eu não disse nada. Apenas fiquei ali, parada, observando-o se aproximar cada vez mais. Ele levantou sua mão esquerda, aproximando-a de meu rosto. Inclinou a cabeça, respirando muito próximo ao meu pescoço, e então senti o seu beijo. Fiquei esperando sentir alguma dor, qualquer coisa, mas não sentia nada, a não ser um profundo prazer. Ele me abraçou ainda beijando o meu pescoço, e eu o abracei de volta. Senti o seu beijo ficar mais quente conforme os segundos se passavam, e ali realmente pensei que pudesse estar fazendo parte de um jogo de RPG, pois não estava sentindo qualquer tipo de dor. O beijo era bom e eu não queria que ele parasse. Até que senti uma leve tontura, talvez por ficar naquela posição por muito tempo, mas foi quando senti ele me segurar. Me senti mais fraca e ele me segurou em seu abraço, me levando até uma espécie de divã que havia ali no quarto. Sentou-me ali, garantindo que eu estivesse confortável. Então voltou a se aproximar, beijando o outro lado do pescoço. Seus beijos eram ótimos e eu permiti que ele continuasse. Depois de algum tempo, ele levantou a cabeça, saciado, e foi só então que pude constatar o sangue em sua boca, assim como seus dentes lindos, pontiagudos. Foi aí que senti a minha pressão baixar, me senti mais leve, ainda com tontura. Estava fraca demais para me levantar. Quando tentei, ele delicadamente colocou sua mão no meu ombro, dizendo:

— Ainda não, mãe. Não deve fazer esforço agora. Espere as suas forças retornarem. — Levou sua mão até meu rosto, me fazendo carinho. — Ah como é saborosa, mãe. Sinto-me completamente regenerado, plenamente capaz de exercer os meus poderes.

— Poderes? — Eu quase não conseguia falar.

— Não se preocupe com isso agora. Ainda há-de ver o que posso fazer.

— Sim. — Foi a única coisa que eu consegui responder antes de apagar.

Fui acordada pela Alex, que tinha um olhar apavorado.

— O que aconteceu? — ela perguntou, assustada.

— Acho que desmaiamos com a cena da cabra. — Achei melhor mentir. — Agora, vamos. Não é bom ficarmos aqui — falei, e ela concordou imediatamente. Enquanto saíamos, senti Guilherme me observar, mas segui as instruções do grupo e não olhei ao redor para encontrá-lo.

~ ~ ~

Cesar estava dormindo quando cheguei em casa, mas essa noite fui acordá-lo.

— Cesar! Cesar! Acorda!

— O queee... — ele resmungou, ainda deitado.

— Adivinha? — eu dizia, empolgada.

— Lilian, está tarde...

— Eu-fui-mordida! — falei, toda serelepe e feliz.

— O quê?

— Ele deve ter sugado todo o meu sangue... olha... — eu dizia, esticando o pescoço. — Acho que ainda dá para ver as marcas.

Cesar sentou-se na cama e acendeu o abajur para enxergar melhor. Mexia em meu pescoço procurando por uma marca, até que viu uma pequena mancha de sangue na minha roupa.

Sua expressão mudou radicalmente.

— LILIAN, O QUE VOCÊ FEZ?!

Fiquei assustada, enquanto ele parecia fora de si.

— Não foi nada, eu...

— Não foi nada?! — ele questionou, levantando-se da cama, nervoso.

— Calma! — eu pedia, assustada.

— Você pode estar se transformando agora mesmo e quer que eu fique calmo?! O QUE FOI QUE VOCÊ FEZ?!

— Não foi nada! Cesar, é sério, não estou sentindo nada — eu dizia, tentando acalmá-lo. Ele estava revoltado, andando pelo quarto, pensando no que havia acabado de acontecer. Me levantei também e ia tentar me aproximar quando ele falou:

— Já chega! Isso acaba agora. Essa brincadeira com os vampiros já foi longe demais.

Entendi o que ele estava falando, mas não poderia deixar essa oportunidade passar. Quando era mais nova, tive a minha fase de ser obcecada por vampiros, e conhecer um era tudo o que eu mais queria. O Guilherme é lindo e parece ser tranquilo, não parecia me oferecer qualquer ameaça. Fora isso, tinha o fato de que eu não iria morrer. Ele poderia sugar todo sangue que quisesse de mim, e em poucas horas eu estaria nova de novo. Ou seja, não havia nenhum motivo para me afastar.

— Não — respondi baixinho, sem coragem de contrariá-lo, mas defendendo a minha vontade.

— O que você disse?! — ele perguntou, me encarando. Não tive coragem de responder. — Se você se tornar um deles, quem vai te matar sou eu.

Fiquei impressionada com essa reação dele e fui para o meu quarto.

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