VÁ ATRÁS DELA

60 8 38
                                    

POV: Jeffrey

O banco de madeira fica sob uma grande árvore que fora deixada após a limpeza dos terrenos da fundação Anjos da Guarda. Hoje, foi cenário de uma história que ouvi, ainda mais perplexo do que quando o vi sorrir para mim.

Padre Harry Williams.

- Não sei nem o que dizer. Na verdade, nem sei como chamá-lo! – admito, rindo – de Harry, de padre Williams...

Ele sorri, pequenas rugas adornando os cantos dos olhos. O sorriso calmo de quem já tinha visto de tudo, e depositava as certezas na fé.

- Me chame como for mais confortável para você, Jeffrey.

- Você parece outra pessoa! Não sei como explicar essa sensação de estranhamento.

Williams sorri, mais uma vez.

- Deixe eu te contar uma coisa... Assisti a alguns filmes seus em que você interpretou pessoas péssimas. Já o vi encarnar homens violadores, assassinos, torturadores. Aí, a gente olha para você, vê este homem de olhar dócil, e é difícil acreditar que é a mesma pessoa... Mas é. Ora, você é um artista, precisa seguir os roteiros que te dão. O roteiro que me foi dado até os vinte e poucos anos é que eu precisava "ter" coisas... Depois do acidente, o enredo mudou drasticamente. De protagonista de minha história, passei para coadjuvante da história de outras pessoas... E desde então, a minha vida faz algum sentido. Eu sou a mesma pessoa, Jeffrey. Mas nasci de novo. Reaprendi a comer, andar, pensar, falar. Agir. Interagir. Aquele acidente foi um parto!

Suspiro.

- E o padre Berg?

- O padre Berg ainda resistiu algum tempo... Faleceu dois meses após a minha entrada no seminário. Foi um grande homem... Como poucos dentro da Igreja Católica. Ele doou mais de meio século de sua vida para a caridade e o desapego, algo que todos nós, enquanto atores dessa instituição, deveríamos fazer.

- Uau, isso é uma crítica bem contundente. Seus colegas de arquidiocese não ficam irritados?

Ele ri alto.

- Ficam, mas dentre eles, eu fui o único a aceitar assumir esta comunidade em que estamos! Aliás, era meu sonho vir para cá! – ele suspira – A verdade dura é que ninguém está disposto a sair dos grandes centros. Nem mesmo os padres. Eles ficam irritados, mas ficam felizes, afinal, estando aqui, não posso ficar lá cobrando coisas deles. "Ora, Williams, qual é seu problema? Oriente suas ovelhas durante a missa, celebre casamentos, distribua alguns cobertores e chega de conversa!". Nós somos padres! "Padre" significa "pai". Um pai não dá só conselhos, tem que arregaçar as mangas e trabalhar!

- Tem razão. E isso aqui é um trabalho e tanto.

- O seu Denny Blue é um dos nossos colaboradores mais dedicados – Harry diz, sorrindo.

- Eu acredito, embora faça tão pouco tempo que pude me aproximar dele.

O padre me olha, sério.

- Você se ressente por isso.

- Estaria mentindo se dissesse que não – respondo.

- É, eu sei que é uma situação complicada... – ele diz, olhando as crianças ao longe, se reunindo no refeitório – mas você precisa relevar! Ele é um bom garoto, ama você e, embora tenha tomado algumas decisões erradas, a mãe dele o criou bem, de uma forma digna e segura. Releve, Jeffrey. Perdoe e releve... Ressentimento e rancor só fazem mal para quem os sente. Precisa colher os frutos que estão bons agora; esqueça os que já caíram. Poderiam ter sido aproveitados? Poderiam! Mas já caíram! Ficar pensando nisso só vai fazer mal para você, e ainda acabará atingindo a eles, Blue e Anna! Porque aquilo que atingir a mãe, vai atingir o garoto também.

MISS MADEMOISELLEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora