Capítulo 02: Do Próprio Diabo

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Robert Giles se moveu rápido o bastante para não ser mais que uma sombra descendo os longos e mal iluminados corredores. Não era hora de ele começar a trabalhar ainda. Isso iria demorar apenas alguns minutos, e ele teria uma hora completa antes que alguém esperasse que ele fosse iniciar seu turno no hospício. Ele ia de quarto em quarto, ouvindo os balbucios, gritos e sons guturais que emanavam por trás das pesadas e trancadas portas. Ele tinha que ouvir, porque era difícil encontrar o aroma certo aqui. Corpos sujos e o forte cheiro de dejetos humanos encobriam os mais sutis cheiros que indicavam doença e morte iminente.

Ele tinha aprendido a encontrar os fracos e mortos durante as pragas da Europa e tinha retomado o seu caminho durante o surto de gripe espanhola em 1918. Ninguém notava quando ele tirava os ainda não mortos das enfermarias. Esse estilo de se alimentar tinha se tornado um hábito fácil, mas os moribundos que não eram vigiados agora eram difíceis de encontrar. Aqui em um hospício, no entanto, ninguém via ou se importava. Ironicamente, as famílias de suas vítimas agora ficavam frequentemente aliviadas por suas ações, e ele adorava a idéia de si mesmo como o doador de misericórdia final. Ela se encaixava bem com o complexo de Deus que ele havia adquirido com o seu renascimento.

Ele parou em uma porta sinistramente silenciosa. O silêncio era um sinal de fraqueza em um lugar como este. Silêncio significava que não havia energia restante o suficiente para liberar as torturas que estas mentes suportavam a cada minuto do dia. O silêncio significava que seus serviços como o coveiro daqui em breve seriam necessários. Silêncio significava que ele poderia trazer descanso final a mentes perturbadas, ele poderia trazer o seu próprio tipo de misericórdia. Em seis meses, ninguém havia sequer notado quando Robert levava os corpos para fora para serem devolvidos aos seus familiares, se havia algum parente que os buscavam. Mais frequentemente, ele próprio simplesmente enterrava suas vítimas indesejadas. Eles o pagavam e até mesmo o agradeciam por fazer isso. Sim, ele era uma benção neste lugar escuro. Ele riu para si mesmo quando destrancou a porta do quarto do homem.

O homem magro estava deitado em sua maca respirando rapidamente, suspiros curtos. Este homem era contido com correntes por seus surtos de violência. Robert sentia o cheiro da pneumonia na respiração dele, e sabia que eram as correntes que o levaram a isso, as correntes e as drogas que o impediam de se mover o suficiente para esvaziar os pulmões.

Em doze séculos, nunca havia sido tão fácil. Ele tinha sido um Viking antes de se tornar imortal, Asvald, filho de Advund. Ele tinha matado centenas de vezes como humano e milhares de centenas de vezes como vampiro. Aqui, ele matava para viver na presença de outros, sem a preocupação de ser descoberto. Ele trabalhava à noite. Ele usava óculos escuros devido a uma ‘doença ocular’. Ele era encarregado de lidar com os mortos. Ninguém queria estar perto dele, mas apreciavam a sua ética de trabalho e sua disposição para livrá-los dos corpos indesejáveis. Era perfeito e tão irônico ao mesmo tempo. Ele quase riu para si mesmo quando se inclinou sobre o magro homem. Os olhos do homem se abriram rapidamente e então se fecharam. Era tão fácil, ele suspirou enquanto afundava os dentes no pescoço do senhor. Este não tinha família, então não havia nenhuma razão nem mesmo para esconder a ferida.

Robert ainda tinha trinta minutos restantes depois de ter levado o agora corpo para o necrotério. Ele iria relatar a morte e enterrar o cadáver durante a primeira hora de trabalho. Ele novamente se dirigiu aos corredores. Normalmente, ele se alimentava não mais do que duas vezes por semana no hospício, e então ele só tirava uma vida por noite. Ele não queria levantar qualquer alarme aqui. Ele tinha cinco ou seis anos ainda neste hospital, antes que alguém começasse a ficar desconfiado, e ele não queria estragar os anos por ser um guloso. No entanto, o moribundo era pequeno e magro, e seu sangue tinha um gosto ruim por causa das drogas e da morte vindoura. Contra seu melhor julgamento, Robert estava movendo-se através dos corredores novamente em sua caçada rápida. O lugar era enorme, e havia tantas portas para escolher.

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