Certo. - Encarei o vestido estirado na cama - O que de ruim poderia acontecer se eu for? É só uma inauguração.
Passei de um lado para o outro em frente ao espelho e tirei a toalha dos cabelos.
Apenas sequei o longo cabelo e ondulei as pontas. Coloquei o vestido, calcei o salto alto, coloquei uma camada fraca de batom, e ajustei o pingente de jasmim.
Engoli meu nervosismo.
Eu nunca fui a uma inauguração antes, a não ser a inauguração da fazenda do meu vizinho. Mas era diferente. Lembro que naquela inauguração uma galinha correu atrás de mim, e não haverá galinhas correndo nessa inauguração, pelo menos, é o que eu espero.
Peguei minha bolsa, chamei um táxi e esperei em frente de casa. O carro era amarelo como nos filmes, com uma plaquinha com o nome escrito "Táxi".
- Vamos? - Um homem de meia idade destrancou as portas para que eu pudesse entrar.
- Vamos. - Sorri.
Ele pegou o endereço e me deixou na entrada de um grande estacionamento aberto, que dava entrada para uma vasta área externa de gramado bem verdinho. Nesse mesmo gramado, enormes letras douradas decoradas por margaridas,
formavam o nome Arterix Gallery. As luzes se cruzavam no ar e davam um verdadeiro show de cores.
Entrei no gigante salão depois de subir alguns degraus até a entrada principal, e me deparei com o seguinte cenário; quadros com ilustrações de margaridas por todos os lados. Margaridas desde os formatos geométricos do cubismo até o surrealismo! E diante de tudo, o que mais me chamou atenção foram as margaridas com uma espécie de mistura do realismo com o futurismo. Uma flor realista com imagens repetidas evidenciando um vago movimento.
Tantas margaridas...
- Sarah! Que bom que veio! - Teresa se aproximou de mim. Ela estava incrivelmente linda, como todos por aqui.
- É uma honra vê-la, Srta. Teresa.
- Só um momento, querida, trabalho a fazer! - Ela olhou para duas mulheres que conversavam entre si do outro lado do salão.
Um lustre gigante de vidro estava posicionado no meio do salão sobre umas cadeiras decoradas, que estavam de frente para um palco com uma grande tela. O telão de projeção estava ao lado de uma faixa vermelha que provavelmente seria cortada pelo tesourão dourado que estava em cima de uma mesinha.
O lugar e as pessoas eram muito sofisticados, e por um momento, comecei a me sentir desconfortável.
Fui em direção aos projetos de design que estavam sobrepostos numa divisão com pouca luz, em um jogo de cor. As margaridas eram quase reais, e se movimentavam de acordo com a melodia da lenta música de violino que ressoava da orquestra de cordas posicionada no palco.
Fiquei hipnotizada com tamanha criatividade.
Mas logo me desipnotizei, quando um garçom passou ao meu lado com uma bandeja de doces. Os doces estavam tão cheirosos, que desviaram minha atenção.
Parei no meio do caminho e sorri para o garçom.
Posso pegar? - Falei.
Claro que sim.
Ele me deu os docinhos em um pratinho de maneira muito gentil e delicada. Peguei de suas mãos.
- Vem aqui meu docinho lindo de maracujá. Parece saboroso e cheira tão bem! Você é muito fofo, mas... - Peguei mais dois e coloquei na boca - Fica mais fofinho na minha barriga.
O garçom foi passando para o outro lado quando eu topei nele.
Opa! - Ele acabou derrubando o resto dos doces que levava sobre sua bandeja.
- Ai minha nossa! - Abaixei-me para ajudá-lo a pegar os doces que caíram no chão - Me perdoa moço, eu não vi que o senhor ia passar para o outro lado - falei, com a boca cheia.
- Tudo bem senhora, deixe que eu pego.
- De maneira nenhuma, eu que topei no senhor e derrubei os doces, então eu pego. Seria injusto com o senhor.
- Muito obrigado, senhora.
Comecei a ajudá-lo recolhendo os doces.
- Querida, por que está abaixada aí? - Uma mulher já idosa e com os cabelos grisalhos presos num coque, me analisou de cima. Ela usava muitas joias nos dedos e vestia uma echarpe de pelo sintético branco por cima de um longo vestido bordô.
Levantei minha cabeça para vê-la melhor.
- Desculpa parecer indiscreta, mas, quem deixou você entrar? - Ela olhou para a porta principal - Agora me pergunto como, porque nossa segurança está em peso na entrada.
- Não senhora, eu sou convidada. Só estou ajudando o moço aqui porque eu...
De repente, senti alguém próximo de mim, abaixou-se ao meu lado e ajudou o garçom a colocar os últimos doces do chão de volta na bandeja.
Sr. Edan?!
Ele sorriu gentilmente, e de instantâneo, meu coração acelerou.
Absurdamente lindo e sereno, em um terno que realçava perfeitamente a cor dos seus olhos.
Sra. Flora, essa é minha funcionária e foi convidada por mim. - Ele lhe lançou um olhar sem muita emoção.
Sr. Edan se levantou, e o garçom se levantou em seguida, agradeceu, e saiu apressado.
Ar... Sr. Edan Hoffmann - A senhora ficou pálida - Eu não quis dizer que...
Edan me estendeu a mão, e me ajudou a levantar.
- Essa é a Srta. Sarah. Srta. Sarah, esta é a Sra. Flora, minha sócia e dona dessa galeria.
Ela levantou a mão para mim, aparentemente constrangida e envergonhada, e eu a apertei amigavelmente.
- É um prazer conhecê-la, Srta. Sarah. - Ela respirou profundamente e se recompôs - Me perdoe pelo ocorrido.
- Ah, tudo bem. - Soltei um sorriso sincero, mesmo que ainda desconcertado.
- Se nos der licença - Edan pegou em meus ombros e me guiou para a outra direção.
- Sr. Edan, eu queria justamente falar... - Flora tentou se aproximar.
- Minha secretária conversará com a senhora mais tarde. Eu não poderei ficar, tenho outras coisas a tratar, desculpe-me.
Fui caminhando com ele até a direção da saída, e quando finalmente já estávamos do lado de fora, pude respirar de alívio.
- Obrigada, sr. Edan.
Tentei não parecer tão desconcertada diante dele.
- E me perdoe... - Respirei fundo. - pelo transtorno.
- Eu que sou grato por me fazer enxergar com quem eu verdadeiramente estava lidando, Srta. Sarah. - Ele virou-se para mim - Ah, e aquela forma de
conversar com o doce de maracujá com ganache de chocolate - Edan sorriu de modo sereno - Foi um tanto peculiar.
Ele me ouviu falando aquelas coisas embaraçosas antes de comer o docinho? Minha bochecha automaticamente ruborizou.
Mas, antes daquele incidente, não me parecia estar gostando muito da festa, não é mesmo? - Ele me encarou, sério.
- Na verdade, não tanto. - Olhei para o final das luzes brilhantes do gramado.
- Não gosta de festas? - Sua voz parecia curiosa e um tanto surpresa.
- Oh não. Eu vim para não fazer desfeita. Eu estava me sentindo um pouco incomodada com tanta sofisticação. - Observei-o ligeiramente - Oh! Não que isso seja ruim! - Gesticulei com as mãos e sorri - É só que não estou acostumada.
Ele colocou uma das mãos no bolso e sorriu, um sorriso encantador.
- Eu entendo perfeitamente. - Disse.
- Entende? - Finalmente tomei coragem e olhei em seu rosto.
Observei-o, atenta.
- Para ser sincero, estou aqui pelo mesmo motivo que o seu. Não queria fazer desfeita. Até porque esse tema foi em homenagem a... - Dessa vez, ele quem virou o rosto, e olhou para o final das luzes do gramado antes de completar sua fala - a alguém especial.
Ele pareceu ficar triste com alguma coisa muito profunda e pessoal, então tentei mudar de assunto.
- Garanto que até o senhor falar, eu nem sabia que isso era uma festa. Fizeram-me acreditar que era uma inauguração de negócios, para criarmos conexões, mas a única conexão que consegui criar foi com o doce de maracujá.
Edan sorriu.
- Se me permite. - Ele pausou suas palavras e por fim completou. - Há outra coisa que gostaria de perguntar.
- Pois pergunte.
- Conseguiu recuperar sua bolsa aquele dia?
- Não. Mas não tinha nada de muito importante. Só alguns papéis de bombons e meu dinheiro.
- Sinto muito.
Um silêncio vagamente nos tomou.
- Se me lembro bem, disse que não era daqui.
Que memória fascinante.
- Olhei para meus pés, tomada pela timidez que me invadia.
- Sim. Sou de uma cidadezinha, que na verdade mais parece uma vila campestre de pequenos agricultores. Ela se chama Lago do sul.
Sério? - Ele pareceu surpreso - E logo nos seus primeiros dias se deparou com uma realidade bem dura, não é mesmo? A forma como foi tratada mostra a realidade de muitos, Sarah.
- Sim. Os problemas sociais também me entristeceram. É como se na mesma cidade, houvesse mundos diferentes. Entende? De onde eu vim, quase todo mundo se ajudava no que podia, mesmo com tão pouco.
- Eu entendo. Isso também me entristece. Muito.
Então virei-me, e percebi que seus profundos olhos avelã estavam sobre meu rosto. E agora, sobre os meus olhos, que foram pegos e capturados como uma frágil gazela fugitiva na floresta.
Não me deixei escapar, agora que estava ali, presa, senti a profundidade e intensidade do seu olhar, que eram inebriantes, ao mesmo tempo que eram o puro fascínio.
E indo cada vez mais além do profundo, na medida que ia sendo sugada para dentro de seu olhar, olhei-me diante de um abismo. Um abismo frio, solitário e triste. Um abismo escuro e tomado de aflição.
Ali, no reentrante de sua íris, um instigante sofrimento e pedido de socorro me jogou para fora da interpretação de como ele verdadeiramente se sentia;
Edan era uma pessoa triste.