Capítulo 14

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— Bom dia. — Entrei na sala de reunião.

Edan ficou parado, imóvel, e aparentemente perturbado.

Ele estava no meio de sua conversa com o Sr. Júlio, em pé, mas com os braços recostados na mesa, reclinado para frente, como se estivesse traçando algum tipo de estratégia de batalha.

Ele me observou entrar, inerte, como se não estivesse acreditando no que que acabou de ver.

Sorri amigavelmente para todos, e me sentei em uma das cadeiras vazias da mesa de cristal.

— E então? Como estamos? — Perguntei para o homem de cabelos cacheados, tentando não fazer barulho, para não tirar a concentração dos demais.

— Estamos na etapa dos desenhos.

— Opa, é comigo mesma. — Sussurrei.

Eu estava decidida. Iria ajudá-los.

Quando já estava na metade da minha contribuição na arte do meu colega ao lado, olhei para Edan de soslaio, mas desviei o olhar rapidamente quando eu percebi que ele estava me observando, com os braços cruzados, nada contente.

A reunião durou o dia inteiro.

Todos saíram da sala de reuniões, inclusive o Sr. Júlio, que coitado, deveria estar quase ficando maluco, já que a data do evento era muito próxima à data do seu casamento.

— Sarah. — Ouvi a voz firme de Edan vinda detrás de mim.

E isso foi o bastante para que eu me virasse, e percebesse que de fato, ele estava com uma séria expressão no rosto.

— Sim, Sr. Edan?

— O que você acha que está fazendo? — Ele me analisou, com uma feição aborrecida.

Suspirei.

— Trabalhando. — Sorri.

— Sarah... — suas palavras saíram com mais suavidade — Você não está de atestado?

— Está tudo perfeitamente bem, Sr. Edan. Eu ajudei na ideia desse projeto, então eu irei com o senhor e com a equipe até o final. Além disso, minhas olheiras já foram embora. — Apontei para os meus olhos — Viu?

Seu olhar de avelã atravessou os meus, e por um momento, arrependi-me do meu gesto.

Fui tomada pela profundidade dos seus olhos, que neste exato momento, eram latentes, e ao mesmo tempo, tão submersos em si. Na sua própria solidão.

— Eu não concordo. — Ele falou, bruscamente, ainda com seu olhar sobre o meu

— Você deveria estar em casa, descansando.

— Sr. Edan, eu tenho vinte e quatro anos e já estou grandinha o suficiente para decidir por mim mesma. A não ser que me demita, não vou abandonar a missão.

— Sorri gentilmente para ele — Era sobre isso que queria falar?

— E tomada por uma força corajosa, desvencilhei-me de seu olhar.

Ele ficou me observando de maneira muito intensa. Uma intensidade cheia de memórias e levada por lembranças.

— Sr. Edan?

— Me desculpe. Você tem razão. É que você quase sofreu um acidente e isso foi... Isso foi... — Ele engoliu em seco.

Olhei para ele com toda a paciência do mundo, na espera de suas palavras.

— Doloroso. — Ele sussurrou, de forma que quase não pude ouvir.

Doloroso?

Continuei observando-lhe. Ele não parecia nada bem. De repente ficou tão desvanecido, e tão perdido em si. Era como se seu sofrimento fosse sua maior tortura interna, como se naquele momento a sua maior luta fosse viver com tamanha carga de infelicidade sem poder expressá-las em emoções manifestas.

Então percebi sua súbita palidez. Palidez na cor, palidez na vida.

Alguma lembrança foi capaz de deixá-lo completamente sem defesas. E a minha única reação foi falar a primeira coisa que veio em minha cabeça. Claro que na minha cabeça não passavam coisas tão coesas, então o resultado não poderia ter sido pior;

— Sabia que os patos conseguem nadar porque seus pelos são impermeáveis?

— Pelos?

Edan me observou, confuso.

— Penas! Eu quis dizer penas! — Sorri constrangida — E eles também fazem quack quack, já que não dá para latir, não é mesmo? — Sorri sem muito controle, o que eu estava fazendo? Tentando reverter essa situação, piorando-a? — Sendo que... Sendo que eu já vi um cachorro fazendo quack, então... Meu gato já fez piu, se é que me entende.

Sr. Edan me olhou ainda mais confuso, mas eu pude perceber um sorriso que teimosamente começava a surgir em seus lábios.

— Eu não sou doida. — Sorri.

— Normalmente as pessoas que dizem isso são justamente as pessoas que não são normais, Sarah. Com todo respeito.

Então enfim, ele sorriu.

E meu coração agradeceu.

— Não se preocupe comigo Sr. Edan, eu estou bem, e quero ajudá-lo com esse evento.

Ele apenas sorriu gentilmente e pôs suas mãos dentro do bolso.

— Se é o que verdadeiramente quer — ele assentiu com a cabeça — Tudo bem,  então.

Saí pela porta da sala de reuniões, e antes de fechá-la, virei-me novamente para ele e me deixei levar pelo meu melhor sorriso.

OLHOS DO DIA [LIVRO 1]Where stories live. Discover now