Pessoas podem se encontrar perdidas em diferentes fases da vida. O sentimento de se sentir perdido não tem haver com a ação de, de fato, não saber onde se está.
Estar perdido é não saber aonde sua mente foi parar. Isso pode acatar os humanos em diferentes fases da vida. Uma grande mudança, um grande término de um ciclo, uma perda pessoal, ou até mesmo, o fim do mundo.
Fato é, estar perdido é algo recorrente que irá te afetar uma hora ou outra. Para Kenny, esse sentimento vai e vem. As vezes pior, mais intenso, mas nas outras maiorias, é controlável. Um sentimento que ela já esta abituada, e que, sabia, que independente do quão perdida ela esteja, ela sempre irá se encontrar.
Mas será que todos tinham essa sorte? Negan estava perdido a muito tempo, será que ainda haveria esperanças dele se encontrar? Logo quando a realidade cujo ele estivesse fora de si mesmo o favorecesse tanto?
Enquanto, por exemplo, Elliot estava apenas começando a se perder. Seria justo esperar de pessoas as mesmas reações, mesmo que estas tenham percepções de vida tão diferentes?
O conforto é uma forma de se encontrar. Um encontro ilusório, cujo você acredita que está no lugar certo, mas está apenas se afundando mais e mais. O Smith adquiriu seu conforto por meio do poder e admiração. Coisas que um dia, podem terminar.
Já Elliot? Se encontrou no álcool, que certamente não era uma boa combinação para um adolescente que nunca teve o dom de tomar boas decisões. Mas realmente seria Kenny capaz de fazer essas duas pessoas se encontrarem? Logo ela, que também estava perdida a tempos?
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Três batidinhas na porta. Ninguém as abre, mas sabe quem está do lado de fora? Negan, e os Salvadores.
- Então essa é a casa de vocês? - o homem olha ao redor e assovia em provocação - Bem grande só pra vocês dois, né?
- Não somos só nós aqui - Carl resmunga. Kenny avista Judith e CJ brincando na sala, e suspira em reação ao alívio de vê-los em bom estado.
- Cadê o Rick? - Negan pergunta para uma mulher do lado de fora da casa, enquanto estava debruçado na janela. A mulher resmunga uma resposta desagradável, e ele revira os olhos - Não enrola, cadê o Rick?
- Procurando coisas pra você - responde do lado de fora.
- Hm, bom saber. Parece que vou ter que esperar - ele se vira de novo para a casa - Quem são eles? - aponta para os bebês - Seus filhos? Eu não sei se aprovo isso. Como vocês fizeram aquele ali? - aponta para CJ - Rolou traição?
- São nossos irmãos - Kenny responde, cruzando os braços.
- Vocês dividem casa, roupa, família e até irmãos? Que romance cheio de benefícios! - ele encara Carl - Onde que é a cozinha?
Com esta pequena sequência de introduções, um tour pela casa passa a ser pronunciando. As perguntas do homem eram incontáveis, especialmente quando se tratavam de questões sobre a vida pessoal dos dois. Parecia que, quanto mais ele soubesse, mais poder ele teria sobre os dois. O homem testou os carpetes, os chuveiros, as torneiras, até mesmo segurou os bebês em seus braços.
Carl e Kenny não tiveram um tempo a sós sequer. Negan, astuto como era, sabia que na primeira oportunidade que os dois jovens tivessem, a emboscada contra ele seria feita. Então, mantê-los a vista era a melhor alternativa.
Em um momento de descanso, os três estavam agora situados na varanda da casa, sentados nas três cadeiras que haviam lá. Judith e Cj estavam ambos no colo de Negan, que os abraçava enquanto acariciava o cabelo dos dois.
- Eu poderia me acostumar com a vida daqui, não acha? - Negan pergunta para Kenny.
- Sem chance - ela ri, em provocação - Pessoas tem olhos, olhos muito julgadores.
- Como você sabe?
- Experiência própria - ela vira o rosto para ele - Aqui os encostados só sabem reclamar e fazer merda nenhuma.
- Kenny! - Carl chama sua atenção.
- O que? Eles só começaram a fazer alguma merda útil depois que os muros caíram e metade de Alexandria morreu! Tivemos que apertar muito as bolas deles pra eles mudarem.
- Interessante - o Smith resmunga - Bom, vamos continuar o tour.
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Depois de algumas discussões, Kenny foi persuadida a cozinhar uma macarronada, enquanto Carl e Negan continuaram o tour. Com a ausência da garota, as perguntas do Salvador se tornaram menos recorrentes, até que os dois passam a se encontrar no quarto de Kenny e Carl.
- Eu não vou embassar as coisas porquê eu sei bem que você sabe sobre nosso passado - Negan aponta, de forma direta arrancando a curiosidade do rapaz - Sei que isso pode parecer o mais absurdo possível mas nesse momento eu só quero conhece-la. E já que ela não vai me dar essa chance, quero apenas saber como ela é, mesmo que seja só com suas palavras de namorado fodão.
O garoto o encara, não sabendo se aquele tom sério vinha de uma ironia ou de um desejo verdadeiro. Carl se sentia nervoso ao lado do homem, isso era fato, mas o nervosismo se assemelhava ao que o rapaz sentia ao estar ao lado de Aliss e Shane. Os três sempre enigmáticos, de caráter duvidoso e índole fraca. Parece que desta genética de sociopatas deturpados, apens Kenny soube lidar com o gene destrutivo.
Contudo, neste momento, o rapaz só estava tentando achar uma pitada de luz em um poço escuro, então, se permitiu dar uma oportunidade ao Salvador, coisa que ele acreditava que Kenny nunca faria.
- Kenny é... - ele olha para as estrelas pintadas no teto do quarto da garota, estas, que ele mesmo havia desenhado - Não é o tipo de pessoa que pode ser descrita por palavras. Ela é tão... diferente de qualquer outra pessoa, um enigma que nem ela mesma consegue decifrar. Sua mente é como um labirinto e a facilidade pela qual ela se perde em seus pensamentos e sentimentos é até preocupante. Ela é protetora, e não tem papas na língua... O tipo de pessoa que não importa o quão ela se corrompa, ela vai fazer o que tem que ser feito.
- Hm - o homem parece ouvir as palavras com atenção. Enquanto escutou as últimas características citadas pelo rapaz, um pequeno sorriso invadiu seu rosto. Dessa vez, não de ironia, um sorriso sincero, de realização. Se viu em Carl por um momento. O modo qual o moreno sorria apenas por falar dela, tornava impossível ouvir o garoto dizer sobre ela e não dizer que eles estavam apaixonados. Para o Smith, as lembranças de seu amor por Lucille vieram à tona, e uma dúvida rodeou sua cabeça.
Mas estaria Kenny certa? Em poucas horas que esteve dentro do complexo dos Salvadores a garota foi capaz de descrever o funcionamento do esquema e até mesmo quais eram as motivações dos comparças. Trabalhavam baseados em seu medo. Preferiam estar submetidos a um homem com uma mente monstruosa do que sobreviverem por si mesmos.
No entanto, em uma visão contrária, Carl conseguiu ver a versão mais humana do lugar. O rapaz enxergava o trabalho que aquelas pessoas desepenhavam. Via a simplicidade de suas vidas e percebeu que a grande maioria dos moradores de lá, eram apenas pessoas comuns. são. Idosos, jovens, famílias. Por uma pitada de tempo, o garoto não desejou a morte daquelas pessoas, e até reconsiderou a morte de Negan. Mas a raiva exaladora de Kenny conseguia arrasta-lo de volta para o caminho onde o único objetivo é a vingança.
- Seu macarrãozinho tá pronto - Kenny diz, aparecendo na porta.
- Epa! - ele dá um pulinho e caminha até ela, que ainda segurava o seu taco - Não colocou nada de errado na comida, né?
- Eu não comeria se fosse você.
Descendo as escadas, um cheiro toma conta do ambiente. Ao ver a panela repleta de comida, o homem com seu bastão não perde tempo e toma seu lugar a mesa. Carl e Olivia, a senhora acima do peso que contabilizava os produtos da comunidade, começam a colocar os pratos, rezando para todos os deuses, na esperança de que Kenny não tivesse envenenado a comida.
- Então, me digam - Negan iniciou a conversa, enquanto se servia - Como vocês se conheceram?
Os dois jovens se encaram.
- Não precisam ser respostas elaboradas, só estou curioso!
- Eu cai em cima dele - Kenny responde, fazendo um "aviãozinho" com a colher para CJ.
- Hm, como foi a primeira vez de vocês matando um zumbi?
- A gente tava numa cova, um zumbi caiu na gente e eu esfaqueei ele - a garota responde denovo, agora direcionando o avião para Judith.
- Interessante. Pode me passar os pães? - pergunta para Carl, que os entrega - Sempre gostei de comer em família - diz sorridente, apoiando a cabeça na palma da mão - Isso aqui é como um deslumbre de um sonho se realizando.
- Porquê não acorda e volta pra realidade? - a garota pergunta, levando um aviãozinho até a boca de Carl sem querer, e recuando assim que percebeu o erro - Já passou da hora de você sair da zona da loucura.
- É desse senso de humor que eu gosto, Carl! Você deveria aprender com ela, ao invés de ser todo sério!
O moreno revira os olhos.
- Olha, eu não sei se to afim de esperar o seu pai, Carl. Sei lá onde ele tá, e não sei se ele vai demorar.
- E-ele deve estar vindo, em breve - Olivia diz entre tropeços sonoros, e Negan a encara com as sobrancelhas franzidas.
- Só a família pode falar a mesa. Você é da família? - a mulher arregala os olhos e balbucia uma quase resposta, mas ele a interrompe - Não responda, mocinha.
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- Então é um coma alcoólico, que ele tem? - Enid pergunta, com os braços cruzados.
- O médico disse que sim - Maggie suspira se virando para ela - Ele estava bebendo em Alexandria?
- Pra ser sincera? Eu mal via ele por lá. Por isso trouxe ele aqui, achei que isso acalmaria as coisas entre ele e a Kenny.
- O que precisa ser acalmado entre os dois? - Sasha pergunta.
- Elliot matou uma mulher inocente por engano, desde então ele vem alucinando com a bebida e, bom... A Kenny estava ocupada demais pra ajudá-lo então ele piorou - a loira esclarece.
- Duvido que isso seja verdade - Maggie retruca, tentando defender a morena cujo ela tanto confiava.
- Também não sei sobre ela, na verdade, não sei de mais nada. Desde que o Negan fez o que fez, todos estão alterados. Uns procuram suprimentos, outros saem escondidos atrás de vingança... - a jovem olha para Elliot, deitado em uma maca - Uns se embebedam.
- Se uma de vocês virem ela por aqui denovo, avisem que eu quero conversar com ela - Maggie pede - Estou ficando preocupada.
- É, o meu irmão definitivamente foi atrás do Negan - Dash anuncia, entrando no cômodo - Então ele realmente tá em coma?
- Uhum - Sasha afirma - Então, se Jesus foi, Kenny e Carl também foram.
- Eu ainda acho que eles estão em Alexandria - Enid contraría - Dash, você poderia ir lá?
- Eu? Porquê eu?
- Se eles estiverem lá, eles precisam saber do estado do Elliot.
- Não, é perigoso demais ficar saindo por aí, justo quando os Salvadores estão mais atentos - Maggie reluta - Dash, você fica.
- Na verdade, Maggie, eu bem posso ir. Meu irmão me ensinou a me movimentar na floresta, e eu conheço o caminho. Chego lá em umas horas, se eu for rápido.
- Tem certeza que vai estar seguro? - Sasha pergunta.
- Absoluta - ele pega sua mochila - Fiquem tranquilas, daqui eu só volto com a Kenny.
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Foi aberta uma mesa de sinuca bem no meio da rua. Todos os Alexandrinos, ou quase todos estavam reunidos ao redor para ver a partida disputada entre Negan, o líder dos Salvadores, e Spencer, o filho medíocre de Diana, agora apenas repaginado para um órfão metido a besta. Kenny e Carl observavam a jogatina pela varanda, e por ordem do Negan, a morena segurava Lucille.
- Eu nunca teria oportunidade de jogar isso com o Negan. Ele é todo sério e fica me encarando com aqueles olhões azuis dele - Negan aponta, esperando as bolas serem organizadas.
- Foi por isso que eu vim falar com você. Eu quero falar sobre o Rick - assim que o homem termina de se pronunciar, Kenny encara Carl.
- Não vamos nos meter nisso - o rapaz diz, tentando evitar o previsto.
- Não prometo nada - ela vira o rosto, e aperta o taco em sua mão.
- Pode falando - Negan diz ao rapaz do outro lado da mesa de sinuca.
- Eu até entendo o que você quer fazer. O que quer construir - Spencer diz, esperando sua vez de jogar - Você cria uma rede, tenta fazer as pessoas contribuírem por um bem maior. Faz sentido - ele se vira para o outro lado da mesa - Mas fique sabendo que o Rick Grimes não tem um bom histórico de lidar com as pessoas.
- Hm, diga mais.
- O Rick não era o líder daqui. A minha mãe era, e ela fazia um bom trabalho. Aí ela morreu, não muito depois que o Rick chegou. Aconteceu o mesmo com o meus irmãos e meu pai.
- Então tava tudo bem aqui a quanto tempo, uns anos? Aí a cambada do Rick apareceu e você virou órfão? Que trágico, ainda bem pra você que ele não tá mais no comando.
- Não importa, o ego dele vai ferrar tudo - Spencer diz, e Kenny franze as sobrancelhas - Ele faz as coisas do jeito dele pra assumir. Foi o que ele fez com a minha mãe, e é o que ele vai fazer com você.
- Você só pode tá de brincadeira! - Kenny reclama, descendo da varanda - Seu pai morreu porquê todos foram burros e não deram ouvidos a ninguém, - aponta o dedo na cara do loiro - seu irmão mais velho morreu por que ele era um cuzão, e sua mãe e o outro irmão morreram porque fomos atacados! Nada disso é culpa do Rick, seu merda!
- Ah, esqueci de mencionar, Negan - Spencer ri, não levando a garota a sério - O Rick também tem seus defensores mirins.
O garoto exibido que se achava inteligente esperava uma risada sincera de Negan, julgando pelo seu tom ácido. Todavia, tudo que recebeu foi um olhar de desaprovação.
- Espera, espera - Negan ergue os braços, tentando dar uma pausa na discussão - O que você propõe com tudo isso, Spencer?
- É, que merda você propõe?
- Eu fui treinado pela minha mãe. Posso ser o líder que ela foi. É disso que esse lugar precisa, do que você precisa!
- Então eu deveria te por no comando, é isso que você tá dizendo?
- Se for preciso - Spencer diz com um sorriso convencido no rosto.
- Me diga, Kenny - o Smith se vira pra ela - Quem está lá fora procurando recursos, mesmo cuspindo na minha cara que me odeia, tudo pra garantir que eu não machuque ninguém que mora aqui?
- O Rick - ela cruza os braços.
- Quem tá engolindo o ódio e fazendo as coisas?
- O Rick.
- Isso aí! - ele ri, e se vira para Spencer - E aí tem você, o cara que teve que esperar o Rick sair pra poder vir aqui e falar do serviço sujo dele tudo pra pegar o lugar dele. Mas se você quer tanto matar ele... - o homem olha para garota atrás de si, e enxerga a faca presa no coldre dela - Porquê não mata você mesmo e pega o poder? Eu te respondo, Spencer - ele puxa a faca do cinto se Kenny - Porque você não tem estômago pra isso.
Com o tom irônico e impactante de sua frase, ele crava a faca da garota na barriga do homem, e a corta na horizontal, fazendo Spencer cair ajoelhado no chão, segurando o próprio estômago.
Kenny poderia reagir a qualquer momento. Puxar a faca de sua bota, socar o homem por trás. Mas ao ver Spencer morrer, ela não sentiu menos do que satisfação. Aparentemente ser um sem caráter vinha de família, julgando pelo oitro irmão do garoto.
- Ih Alá, ele tinha estômago - ele ri, encarando Spencer e devolvendo a faca para Kenny - Alguém pode limpar essa bagunça?
Os moradores ainda encaravam a situação embasbacado, e Kenny observa a reação deles, assim como a de Carl, que estava estagnado, em um completo choque. O garoto encarava a namorada, na tentativa de conseguir uma resposta para o que tinha acontecido, mas nem ela estava entendendo mais a situação.
Contudo, ainda confusa ela percebeu a estranheza e confiança no olhar de Rosita, que se posicionava diante de Negan. O mau pressentimento tomou conta e sua intuição passou a falar mais forte, até que enfim sua desconfiança se mostrou certeira. Rosita puxou sua arma e atirou em Negan. O que teria acertado em cheio, se alguém não tivesse impedido a bala, com um taco de beisebol.