- NÃO! - Kenny berra, teimando as ordens de Negan, como já era de se esperar, afinal, autocontrole não era uma habilidade da garota.
Assim que a menina grita, Carl se sente livre para segura-la em volta de seus braços, e ajuda-la a tapar a própria boca, evitando os gritos que iriam sair de lá. Negan observa aquilo e não parece se irritar com a desobediência e insolência dos dois, voltando sua atenção aos demais em volta da roda, totalmente atormentados e em silêncio. Tudo que soava, eram os fungares dos constantes choros que assolavam todos ali.
- Por que esse silêncio? A piada foi tão ruim assim?
Kenny observava o sangue de Abraham e o de Aliss esparramados no chão. As memórias do que havia acontecido junto daquelas do que já haviam passado juntos atormentavam a garota, que não conseguia conceber a ideia de que eles realmente haviam morrido. De que sua mãe realmente havia morrido.
Não conseguindo se conter, a morena faz o que literalmente havia implorado para que Carl não o fizesse; ela perde o controle.
Agindo feito uma completa irracional, ela corre até Negan e desfere um soco em seu rosto, sendo derrubada no chão pelos capangas logo em seguida.
- Isso foi um soco e tanto! - o homem diz, segurando a própria mandíbula - Eu diria que é inaceitável!
Dwight, um homem loiro com a cara desfigurada, que segurava a besta de Daryl, a aponta para a garota.
- Quer que eu faça isso? Podemos acabar com ela aqui mesmo!
- O que? Não! Fora de questão!
- Mas ela...
- Eu disse não! - Negan esbraveja, deixando seu sarcasmo de lado, e se levantando novamente - De qualquer forma, não é assim que as coisas funcionam! Eu disse antes que o primeiro deslize iria ser de graça, mas agora, irão pagar por isso!Acreditem eu sou um homem de palavra - ele sorri para todos ali - Então, de volta ao trabalho!
Ele se vira para Glenn, cravando Lucille em sua cabeça.
- NÃO! - Maggie e Kenny berram ao mesmo tempo.
- Eu... - o rapaz que a essa altura possuía seus olhos saltando do rosto, se esforçava para dizer - Eu... eu...
- Deus do céu, vocês são duros na queda! Eu te acertei tão forte que seu olho saltou pra fora... E é nojento pra caralho!
- Maggie, Kenny... - ele tosse tentando cuspir as palavras - Eu vou encontrar vocês.
- Eu sinto muito por isso. De verdade.... Mas eu avisei, sem excessões!
Tendo sua cabeça firmada contra o chão, a garota se vê forçada a enxergar Negan batendo com Lucille na cabeça de Glenn repetidas vezes, sem parar. O sangue era tanto que conseguia escorrer até onde a menina estava, numa extremidade totalmente distante do rapaz.
- POR FAVOR, PARA! - ela berra em meio aos soluçares - PARA, AGORA! GLENN, POR FAVOR, LEVANTA! - insiste em gritar, se esperneando no chão, tentando se soltar dos braços de Dwight a qualquer susto - EU VOU MATAR VOCÊ, FILHA DA PUTA! EU VOU MATAR TODOS VOCÊS! CUZÕES DE MERDA!
- O que? - ele se abaixa em frente a ela - Sentimentos não morrem, logo, você nunca irá me matar. Foi isso que você disse, certo?Me desculpe, preciso que repita mais alto para eu ouvir.
- Não é nada! - Rick chama a atenção de Negan, tentando afasta-lo de Kenny - Mas, saiba que não vai ser hoje, nem amanhã, mas de qualquer modo, iremos matar você.
- Credo - Negan pronuncia - Simon - chama o de bigodes - Me dê o machado dele - o capanga obedece, entregando a arma - Eu já volto! - puxa Rick pelo colarinho de sua blusa, em direção ao trailer - Iremos passear!
Eles saem com o trailer para um lugar qual ninguém sabia responder onde, deixando ali, uma trilha de sangue e morte, seguidas pelos Salvadores que serviam de barreira para os atormentados Alexandrinos.
Ao ve-los sair, Carl se esgueira até Kenny, ainda deitada em meio do chão, agora solta pelos capangas. Ele a puxa para perto, agradecendo mentalmente por ninguém tê-lo impedido disso. A garota se vira para ele, agarrando-se em seu corpo como se fosse incapaz de solta-lo nesse momento. Palavras sem sentido saiam sobre sua boca, mas as lágrimas não permitiam que ela se comunicasse. Era a segunda vez que via Glenn morrer, e dessa vez, a última também.
Chorava sem parar aos braços de Carl. Nenhum capanga os separava, pela instrução de Negan, que insistiu por algum motivo desconhecido deixar a garota devanear o quanto quisesse.
O lugar começava a ser iluminado pela luz matutina, e não muitos minutos depois, o trailer voltou. De lá, Rick foi arremessado e arrastado até a fila novamente, ficando ao lado de Kenny e Carl, que já haviam se recomposto a tal altura.
- Bom, Rick, você sabe o motivo do nosso passeio? - Negan pergunta, o olhando com superioridade.
O Grimes se mantém em silêncio, checando todos ali com o olhar, para garantir que todos estivessem bem depois de suas saída.
- Responda quando falarem com você! - Negan esbraveja.
- Está bem - o Grimes pronúncia, se virando para o de jaqueta - Eu não sei o motivo.
- O passeio foi feito por que precisávamos pensar sobre o jeito como você olhou pra mim - o de lenço vermelho volta seu olhar para Kenny, e em seguida, para Daryl - Do jeito em que eles olharam pra mim. Eu queria mudar isso, queria fazer com que você entendesse que agora quem manda aqui sou eu. Mas mesmo assim, você continua olhando do mesmo modo pra mim - ele olha para Kenny, Daryl e Carl - E eles também - suspira - Mas, como sou muito caridoso, vou dar mais uma chance a vocês, gostaria disso?
- S-sim - Rick responde.
- Muito bem! - o homem diz ainda sorridente, caminhando até Carl e Kenny - Agora, o grande prêmio. O que você decidir fazer, Rick, vai definir se seu dia se tornará pior do que já é, ou simplesmente um dia de merda qualquer. Ponham as armas nas nucas deles.
Sua ordem é seguida por seus capangas, posicionando seus rifles e pistolas devidamente carregados e engatilhados logo atrás das cabeças de cada um naquela fila. Em sequência, Negan olha para Carl e Kenny, que e mantinham lado a lado, e chama pelo Grimes, que reluta em seguir sua ordem. Ele é chamado novamente, mas Kenny olha para Negan, dizendo que dali, o rapaz não sairia. Contudo, o que havia dito foi sequencialmente desmentido por Carl, que se viu obrigado a ir até onde o homem o chamava, irritando Kenny.
Negan tira seu cinto e o amarra no braço esquerdo de Carl, fazendo questão de perguntar se o garoto escrevia com este ou não. Ele instrui que o garoto se deitasse no chão, onde Kenny estava alguns minutos atrás. O rapaz de lenço vermelho pede por uma caneta, e, ao ter seu desejo realizado, desenha uma linha no braço agora despido de Carl.
- Por favor não faça isso, não precisa ser assim... Por favor, apenas não faça isso - Rick murmura ao lado de Negan, deixando seu orgulho de lado.
- O que? Você acha que eu vou fazer isso? - ele ri - Não, Rick. Você vai - ele entrega o machado para o Grimes - Talvez demore um pouco pra você processar a informação, mas saiba que, se você não fizer isso, todos nessa fila vão morrer. E depois, o pessoal da sua casinha vai morrer, e depois, você vai também.
- Você não precisa fazer isso! - Michonne suplica - Nós entendemos! Entendemos seus termos e condições, entendemos mesmo!
- Você entendeu! Já eles... - aponta com Lucille para Rick, e em sequência, Carl, Kenny e Daryl - Vamos lá, Rick! Um corte limpo e rápido! Nã,o vai demorar, olha a finura desse braço! Corte de 45 graus, bem fácil. Aliás, temos um ótimo doutor, o garoto ficará bem!
Rick ainda se mantinha inseguro com aquilo. Sua respiração ia e vinha, era como se ele já não estivesse mais lá.
- Rick, isso precisa acontecer agora. Ou, eu terei que amassar a cabecinha dele.
- P-pode ser eu. Pode cortar meu braço.
- Não. Esse é o único jeito - Negan se levanta - Vamos lá, use o machado. Saiba também, que não tomar uma decisão, é uma grande decisão!
Rick persistia em relutar contra isso.
- Merda, Rick, eu vou ter que contar? Droga, okay! Vamos contar! Três!
- Por favor, para! Pode ser eu, por favor! Por favor!
- Dois!
- Por favor, não...
- Um!
- Me desculpa, Carl...
- Não! Não arranque o braço dele, arranque o meu! Ele já esta ferrado depois de quatro mordidas, Rick! - a garota berra, insistindo, ignorando completamente o mundo em sua volta, e sequer percebendo suas confissões - Arranque o meu braço!
- Acho que sou eu que dou as ordens aqui - Negan diz, se sentindo contrariado.
A garota que evitava olhar para ele se vê numa situação em que é forçada a realizar tal coisa, assim, ela inclina seu rosto na direção do homem.
- Arranque o meu braço fora, deixe ele em paz.
- Não será necessário, Rick aprendeu sua lição, não é, Rick? - ele encara o Grimes, como se este fosse apenas mais um pedaço de carne que agora o obedeceria - Você agora trabalha pra mim. Caça por mim, e pertence a mim, entendeu?
- S-sim...
- Hoje foi um dia produtivo! - o homem diz, sorridente - Espero que tenham entendido como as cosas vão funcionar agora! - ele olha para Daryl - Coloque ele no furgão.
- Não! - Kenny murmura para si mesma, desobedecendo Negan mais uma vez.
- Tem dificuldade em seguir a autoridade, né?! - pergunta sorridente, mas não recebe nenhuma resposta - Não se preocupe, seu amigo me pertence agora, mas não vou fazer mal a ele. Contanto que me obedeçam, é claro - ele dá um tapinha nas costas da menor - Até semana que vem, Kennedy.
"Kennedy?"
Assim, o homem se levanta, anunciando que seu primeiro carregamento seria na semana seguinte, e que, até lá, o grupo deveria se preparar para lidar com a carga de emoções que haviam recebido em um dia só.
A Anderson se prontifica em correr até Carl ajuda-lo a levantar-se, ignorando todos os Salvadores que deixavam o lugar tranquilamente, como se não tivessem acabado de destruir aquela família.
Ela o abraça de imediato, tentando consola-lo devida a situação traumática que ele havia acabado de passar. No entanto, apenas suas intenções estavam ali, e não uma ajuda verdadeira.
Afinal, como duas pessoas quebradas poderiam se ajudar?
Ela observava as alucinações sumirem ao lado de Negan, mas não dá importância a isso. Tudo que conseguia pensar agora, eram formas de nutrir sua raiva, na intenção única de mata-lo e vingar aqueles que haviam morrido no dia de hoje. Ela não se importava se na concepção daqueles, que haviam morrido, perdoar seria a melhor opção. Na verdade, não conseguia sequer conceber a oportunidade de perdoa-lo. A vingança já estava sendo arquitetada em sua cabeça, e seria apenas por isso no qual ela iria viver.
"É melhor sentir raiva do que tristeza" - pensou.
Observou o corpo de Abraham, e se lembrou que sua última conversa foi um insulto a ele. Mas não seria apenas isso que ela poderia se lembrar dele. Rapidamente, as memórias fluiram em sua mente, passando feito um flash em frente a morena. Relembrou medo e raiva que tinha do ruivo do começo por sua autoridade e fixação por uma cura, e se lembra de como ficou feliz ao saber que ele havia desistido disso. Abraham nunca tratou Kenny feito criança, era por isso que ela gostava tanto dele.
Enxergou Aliss, ou melhor, o que tinha restado dela, ser levada por Rick e Aaron, que se dispuseram a isso. Ver aquela que um dia foi sua mãe, morta em pedacinhos era apavorador, mesmo para Kenny, que já havia desejado a morte da mulher diversas vezes.
Pensou em CJ de imediato, e como seria difícil para o garoto crescer sem numa sequer poder se lembrar do rosto do pai ou da mãe.
Todavia, ver o corpo de Glenn novamente surtiu como um baque na garota, que ainda soluçava de tanto chorar. Estava se tornando cada vez mais cansativo essa situação de encontrar seus amados a beira da morte, ou, nesta situação, mortos de vez.
Não existia mais escapatória. Era impossível dar meia volta agora e agir naturalmente. Coisas haviam mudado, o jogo mudou. Agora, eles não eram mais donos de si mesmos, pertenciam a alguém extremamente sádico e sarcástico, que já possuía um lugar negativamente guardado no mais profundo dos calabouços do coração de Kenny.
Imaginou ou um almoço de domingo, onde todos estivessem reunidos. Glenn estaria com seu bebê em seu colo, o ensinando a gostar de comidas sólidas, enquanto Maggie, ria da confusão do rapaz com as palavras. Abraham estaria fazendo piadas constrangedoras envolvendo metáforas que só ele e Sasha conseguiam entender, mas que mesmo assim, conseguiam fazer Elliot e Eugene darem risadas. Enid estaria elogiando os cookies de Carol, enquanto Gabriel insistia para que eles agradecessem a deus pela comida, mas todos o ignoravam.
Conseguiu imaginar ela ao lado de Carl, com Judith e CJ entre eles dois, sentados em seus colos. Os dois riam enquanto os incentivavam a comer verduras, e Daryl, ao lado de Kenny, reclamava dos peidos de CJ.
Viu facilmente Aliss tendo uma pequena discussão com Rosita e Michonne sobre qual é a melhor cor de toalha de mesa para um almoço em família, mas Tara as mandava calar a boca, dizendo que o que importa é a comida.
Cenários quais ela só poderia imaginar, pois nunca iriam se realizar depois de hoje.
Dentro do trailer, ela estava com os dedos entrelaçados aos de Carl, enquanto decidia ler as cartas quais Aliss havia a entregado.
Todas possuíam datas diferentes, quais Kenny baseou referente ao dia que o mundo acabou.
A primeira delas, deveria ter sido escrita quando Kenny possuía seus oito anos.
“Oi, Aliss, como as coisas andam por aí?
Está precisando de algo? Dinheiro? Como a pequena Kenny está?
Estamos preocupados com vocês, eu estou preocupada com você.
Por favor… mande notícias.
Você sabe que minha proposta continua de pé.
Por favor, Aliss.
— L”
A segunda carta remetia a um período onde Kenny estivesse prestes a completar seus 10 anos.
“Aliss, recebi notícias do hospital, as coisas não andam nada bem.
Aquela doença, aquela mesma doença que arrancou nossa mãe de nossos braços, realmente chegou até mim, e mais agressiva do que nunca.
Espero que você esteja bem, e o mesmo para Kennedy.
Só peço que me permita vê-la uma última vez.
Eu preciso vê-la, Aliss.
— L”
Não demorou muito para que Kenny solucionasse o enigma por trás das cartas. A pessoa que escrevia para Aliss, era muito provavelmente sua irmã, a mulher que acolheu Kenny em seus primeiros anos de vida.
Voltando sua atenção a terceira, última e maior carta, a garota se atenta mais a ler quando vê que esta havia sido feita cerca e duas semanas antes do apocalipse, onde a essa altura, existiam apenas especulações sobre tal coisa.
“Estou no fim da vida, Aliss
Reuni o restante de força que me resta para escrever esta carta. E na realidade, eu sequer sei se você irá recebê-la. O fim do mundo está chegando, já começou nos outros lugares do mundo, e eu não duvido que chegue até aqui.
Se um dia você considerar ler esse carta, entregue-a à Kenny. É meu último pedido antes de ter a certeza de que nunca mais verei a minha filha.
Pequena Kenny, não sei quando você lerá isso.
Mas ainda sim, peço que me perdoe.
Me perdoe por não poder te ver crescer, me perdoe por não te encorajar com seu primeiro beijo, não poderei ver seu casamento, nem sua formatura, me perdoe por isso pequena. Quero dizer, não saberei se continua pequena.
Sinto sua falta. Muita.
É um pesadelo saber que minha doença e um deslize do seu pai arrancou você de nossos braços. Isso pesa nossa consciência, e não passa um dia que eu não consigo esquecer que foi nossa culpa.
No entanto, não sinta raiva de nós, não sinta raiva dele. Acredite ou não, mas seu pai te amava mais do que tudo. Ele te ama mais do que tudo. Ele carrega consigo uma parcela de culpa pelo que ocorreu com você, e acho que ele jamais perdoará a si mesmo. No entanto, eu peço a você, que se um dia reencontrar ele, o perdoe.
Foi extremamente difícil para ele ser separado de você. Acredito que você se lembre vagamente, afinal, era uma criança; contudo, ainda sim, não acho que seus sentimentos mudem.
Sentimentos não morrem, minha querida Kenny. E caso você seja um pouco do que seu pai era, você saberá disso muito bem.
Vocês são (ou eram) tão parecidos. O que era engraçado, já que vocês não possuíam nenhum vínculo sanguíneo, como eu e você. Me lembro de como eu era constantemente chamada na sua escolinha por conta dos seus acessos de raiva contra os coleguinhas, e também me lembro de todas as vezes que seu pai brigou com os diretores e coordenadores por você. Independente de tudo, ele sempre dizia que não era sua culpa, e conseguia te livrar de situações ruins.
Se um dia você se deparar com a raiva irracional ou simplesmente a incapacidade de perdoar alguém, isso significará que eu estava certa ao considera-los iguais.
Procure alguém para amar com todo seu coração, isso irá afasta-la dos pensamentos ruins. Ou pelo menos, é isso que ele disse ao me pedir em casamento.
Não gosto de escrever cartas tristes, muito menos de despedida, contudo não tive a oportunidade de dizer adeus pessoalmente á você.
Seu pai sente sua falta também, não duvide disso.
Saiba que nunca te abandonamos. E que nunca deixamos de pensar em você. Foi um acidente, um acidente que causou a destruição da nossa família.
Viva, por nós. Viva por mim, sua mãe.
— Com amor, Lucille”