Eu gostaria de entender o que ser um Guardião tinha haver com não me deixarem sequer ter uma noite de sono tranquila, droga de obrigações que não me deixava dormir até tarde, droga de faculdade que não me deixava em paz, e droga de poderes que me obrigavam a usá-los!
– Você não conseguiu chamar as meninas? – Ethan saltava entre as paredes e o chão daquele lugar com extrema facilidade, impulsionando seu corpo com a energia que o percorria, desde o acontecimento que aconteceu a alguns meses atrás, ele havia se empenhado em melhorar o controle dos poderes, e estava indo muito bem.
– Não, Íris tem alguma visita em um laboratório, Kate disse que não quer perder aulas logo agora que acabou de entrar e a Laura, bem, ela nem me atendeu!
– Então temos que resolver isso sozinhos.
Nosso alvo parecia familiarizado com aquela construção, e não parecia estar fugindo da gente, o que aumentava nossas preocupações, parecia querer se esconder de algo mais, só que era meio difícil fazer isso quando você acaba deixando uma pequena trilha de cristais enquanto percorre o lugar. Mais um Guardião, Ethan havia decidido encontrar outros jovens antes de tentar bater de frente com a tal organização nos atacou, mas eu não esperava realmente que a gente faria isso tão cedo.
– Preste atenção pra onde vai! – Sua voz chamou minha atenção, parei antes de me chocar contra uma parede.
– Valeu!
– Voar tem suas vantagens, mas ser você a aeronave, eu tenho minhas dúvidas.
Ele estava debochando de mim? Eu não acredito que ele teve a coragem.
– Eu ainda estou com sono, droga, me dá um desconto!
Foi então que meus sentidos se afiaram, meu corpo se arrepiou completamente e eu não consegui me mexer por uns breves segundos, olhei na direção de Ethan que também parou com aquilo, seu rosto parecia preocupado, mas também aparentava satisfação.
– Está aqui!
Só pude segui-lo enquanto saltava ainda mais rápido na direção do desconhecido, o rastro de pedras cristalinas que lembravam diamantes levava para o teto do lugar, e ali encima haviam dois buracos que ainda derrubavam pequenos fragmentos, nosso alvo havia passado por um deles, já o outro...
Saímos pela abertura e foi nesse momento que consegui observar de quem estávamos correndo atrás, a garota que havíamos seguido até aquele momento nos olhou com uma clara expressão de medo, ela não parecia ter mais do que quinze anos, tinha os cabelos presos em pequenas e cacheadas marias-chiquinhas, usava uma calça preta com a perna esquerda rasgada até a altura dos joelhos e uma camiseta que parecia pertencer a alguma escola da vizinhança, não me parecia ser a nova moda do momento, tentei dar um passo em direção a ela e quase que institivamente todos os outros presentes se puseram em guarda, a garota ergueu alguns fragmentos brilhantes próximo aos seus pés, Ethan erguendo uma das mãos na minha frente e a criatura medonha e cheia de membros que tanto conhecíamos recuou um centímetro, rosnando sons indistinguíveis além das palavras que consegui captar.
– Fome!
A garota começava a chorar, ela não parecia entender exatamente o que acontecia, e qualquer movimento nosso poderia custar muito caro, não era uma altura muito recomendada para alguém despencar dali, e mesmo que ela tenha subido, não parecia que teria estruturas para descer, Ethan lentamente aproximou seu rosto do meu ouvido e murmurou:
– Você consegue fazer aquilo? – Demorei um instante pra pensar no que poderia ser.
– Cinco segundos, no máximo, eu não treinei pra agir sobre pressão ainda.
– É tudo que precisamos.
– Mas e se...
– Faça!
Ele me lançou um sorriso e só por aquilo eu me senti derrotado, respirei fundo e fechei meus olhos, desejando que todo o meu corpo simplesmente sumisse, eu representava o conceito do ar, e era disso que eu precisava naquele instante, assim que senti que poderia fazer aquilo abri meus olhos e simplesmente saltei na direção da garota, pude ouvir o estrondo dos poderes de Ethan percorrendo por todo o piso do lugar, ele havia se jogado na direção do monstro deformado enquanto o próprio monstro saltava atrás da garota, já ela, tremendo com o susto repentino se agachou de medo e esse movimento fez formar uma grande cúpula transparente ao seu redor, deixando aberto apenas encima
Me lancei com tudo até o lugar e assim que pousei a peguei nos braços e saltei novamente, ela soltou um grito de pavor, mas não teve tempo de agir de outra maneira já que nem percebeu minha presença ali, o barulho que veio de baixo a fez olhar na direção, o piso da construção começou a ruir e a criatura e Ethan despencaram prédio abaixo, o ato de me focar nele me fez voltar ao normal, e só percebi isso porque a garota gritou novamente em meus braços.
– Calma, calma, amigo, eu sou amigo!
Ela não se mexeu, ainda me olhava desconfiada, a expressão em completo espanto, mas talvez pensasse que estar ali no ar comigo era melhor do que com aquela coisa medonha no solo, o que eu não discordaria nem um pouco, Ethan voltou alguns segundos depois entre saltos rápidos até uma parte que ele não destruíra, desci com a garota e assim que a coloquei no chão Ethan se ajoelhou, o corpo meio arranhado da queda e do rápido confronto, seus olhos na altura dos dela e as mãos para trás, como se quisesse demonstrar que não faria mal.
– Você está bem agora, desculpa se pareceu que estávamos correndo atrás de você, mas você também estava fugindo daquilo, não é? – Ela apenas acenou com a cabeça, ainda assustada. – Você pode nos contar o que aconteceu?
Ela demorou um pouco, parecia tentar recuperar o fôlego, os olhos voltavam a se encher de lágrimas, ela direcionou seus olhares para Ethan e para mim, seu corpo tremendo e a respiração pesada fazia surgir ao seu redor pequenos cacos do que parecia ser vidro ou algo similar, aquilo havia me dado uma pequena ideia, mas não era nada relevante para o momento, achei melhor me sentar no chão também, ela não precisava de mais ataques de pânico.
Assim que me sentei também ela se acalmou um pouco mais e pode falar a respeito.
– Eu tava indo pra escola hoje de manhã e no caminho eu sempre brincava com um gatinho que aparecia, mas hoje ele não apareceu, eu pensei em olhar um pouco pelo lugar, foi quando aquela coisa apareceu e começou e eu fiquei com medo e corri.
Ela não parava de tremer, Ethan pegou suas mãos na dele e respirou fundo, como se dissesse para ela fazer o mesmo, ela o fez.
– E sobre, bem, tudo isso que você fez? – Perguntei apontando pra alguns caquinhos flutuantes, eu estava curioso a respeito.
– Eu não sei, aconteceu a um ano, eu acordei e minha coberta estava cheia de pedras coloridas, mamãe me disse que eu não poderia mostrar isso a ninguém. – Ela fez uma pausa, como se pensasse que tinha acabado de desobedecer a mãe. – Vocês também são estranhos, será que tem problema?
– Ei, eu não sou estranho!
– Sim, você é Noah. – A garota riu com o comentário de Ethan, só relevei aquilo porque ele a fez rir. – Você também encontrou um colar estranho?
– Ah, sim, esse aqui?
Ela puxou do pescoço o colar com a estranha pedra, não parecia diferente das nossas antes, apenas o símbolo interno era diferente e lembrava um diamante. Ethan acenou com a cabeça e ela guardou novamente o colar.
– Nós vamos te levar pra escola e...
– Nós? – Apontei para o meu relógio, eu já havia perdido a primeira aula, não deveria me dar ao luxo de perder a segunda também, não que eu estivesse muito satisfeito com ir pra faculdade, mas precisava.
– Desculpa, eu vou te levar pra escola pra que aquela criatura não te ataque de novo, não se preocupe, você estará segura agora, mas me prometa uma coisa, não conte a ninguém o que aconteceu, está bem?
– Nem pra minha mãe? – Ela parecia preocupada, uma criança que tinha um forte diálogo com sua mãe, aquilo era de uma simplicidade bela.
– Não vai ser preciso, eu mesmo vou com você conversar com a sua mãe, está bem?
Ela assentiu, Ethan soltou as mãos dela e se levantou, fez um sinal para que ela esperasse um pouco e veio até mim, me puxando um pouco pra longe, não tanto para que ficasse distante da garota, não que ela não pudesse sair dali sozinha talvez, mas estávamos alto demais pra ele não se preocupar dela cair.
– Se você se encontrar com Íris, conte a ela o que aconteceu, todos nós precisamos conversar a respeito disso, tem algo que vocês ainda não sabem.
– E o nosso líder destemido precisa fazer o seu trabalho, tudo bem.
– Não me chame assim, idiota, sou só preocupado demais. – Ele bagunçou meus cabelos. – Principalmente com você!
Eu me sentir enrubescer, ele começou a voltar seu caminho até a garota.
– Ethan... – Chamei, senti a minha garganta secar por um segundo, e não consegui pensar em nada que poderia dizer a seguir.
– Sim?
Eu tentei dizer algo, mas minha mente não pareceu obedecer, então só desisti.
– Nada, deixa pra depois, não se esqueça de ir trabalhar!
– Eu não vou, estou atrasado, mas não é o fim do mundo.
Ele pegou a garota nos braços e saltou pra longe, fiquei ali por um segundo imaginando que tipo de desculpas ele conseguia inventar pra chegar atrasado no trabalho, pensei também como ele faria pra ir até a casa da garota e contar a sua família que ela havia sido atacada por um monstro?
Minha mente também tinha outros bilhões de pensamentos envolvendo ele que eu começava a querer só ignorar, puxei e soltei todo o ar dos meus pulmões, senti meus próprios lábios produzirem o som de resmungos e parti pra minha próxima aula, me perguntando se a minha mochila ainda estaria na mesma cadeira que eu deixei logo que sai ou se já tinha feito como eu e saído voando por aí.