◇ Capítulo 31 ◇
◇◇ OS ACORDOS DE SOKOVIA ◇◇
P.O.V AUTORA
Havia um notório desconforto no retorno dos Vingadores ao complexo. Eles não tinham voltado todos juntos, Sam e Steve ficaram em Lagos por mais alguns horas para terem certeza de que as vítimas seriam atendidas corretamente. Natasha prontamente se prontificou em acompanhar Wanda e Katie no retorno à Nova York.
Katherine pôde respirar mais tranquila quando a Maximoff lhe garantiu que ficaria bem sozinha, a mais nova se dirigiu ao seu quarto quase que no exato momento em que o Quinjet pousou. Katie foi arrastada para a enfermaria pela Romanoff que alegou que a amiga tinha machucados dos quais mereciam uma atenção maior e depois disso foi conversar com Hill sobre o ocorrido. Katherine nem perguntaria sobre isso, mas era o assunto mais comentado naquele dia.
Na enfermaria, enquanto a médica limpava um ferimento em duas costas, a Stark tinha os olhos colados na televisão de tela plana afixada na parede na sua frente. Todos os canais, dos quais a moça passava, diziam a mesma coisa e os Vingadores eram incessantemente massacrados pelos jornalistas.
- A internet está falando disso também? - perguntou Katie.
-Todos estão, Srta. Stark - a médica respondeu.
Katherine suspirou e baixou o olhar para o piso espelhado. Como se os acontecimentos de Sokovia não tivessem sido suficiente agora eles viraram foco de tudo e qualquer notícia.
-Que autoridade legal um indivíduo aprimorado como Wanda Maximoff tem para operar na Nigéria…?
Nem bem as palavras do repórter chegaram aos ouvidos da moça e ela desceu da maca hospitalar, cruzou o espaço até a porta e dali saiu. Ignorou totalmente os chamados da médica enquanto andava em passos largos e rápidos na direção do andar onde os quartos ficavam.
O quarto de Wanda ficava no final do corredor, e do outro extremo, Katherine pôde escutar o som da televisão. E aquele silêncio do complexo só fez com que o volume do aparelho fosse ainda mais audível. Ela parou no batente da porta e observou sua amiga sentada na cama com os olhos fixos na tela.
-Isso não é sua culpa - sussurrou.
- Tem certeza? Não é o que eles estão dizendo - retrucou a Maximoff desligando o aparelho.
- Isso é sensacionalismo, Wanda - Katherine disse, calma - Quem provocou foi o Rumlow, a explosão é unicamente culpa dele.
-E a culpa da explosão do prédio é minha.
- Wanda - Katie respirou fundo e aproximou-se da cama onde sentou ao lado da amiga - Você salvou o Steve, você salvou a vida dele e eu não poderia estar mais agradecida. Esse é o nosso trabalho, salvar o máximo de pessoas possível. - levou sua mão até a da Maximoff e a segurou - Se tem uma coisa que precisamos aprender é que não podemos salvar à todos, mesmo que doa e que a culpa comece à nos corroer, a verdade é que jamais vamos conseguir salvar todo mundo. Podemos tentar, o resultado nunca será como a gente espera.
- Já teve essa culpa? - perguntou Wanda.
Katherine olhou para a amiga antes de desviar para o violão no canto do cômodo.
-Sokovia - murmurou ao responder. - Todas as noites eu sonho com a cidade despencando em cima de nós e nesses pesadelos não conseguimos salvar ninguém…
- Você não tem culpa, Kat - disse a Maximoff, gentil - Não era sua intensão criar um robô como o Ultron.
-E se eu tivesse impedido meu pai? Tentado convencer de que poderia dar algo errado? - Katie disse em voz baixa - Eu estava tão desesperada em proteger o mundo de um novo ataque como o de Loki, que qualquer medida de proteção me parecia eficaz demais.
-Então você já tem sua resposta - a garota sorriu com carinho.
-Pensei que você não se culpava mais - Steve disse.
Wanda soltou uma risadinha quando Katherine revirou os olhos de forma infantil.
-Acabei de dar um discurso do tipo Capitão América e você não me dá os parabéns! - a morena reclamou.
-Bem, estou orgulhoso de você - Rogers sorriu. - Mas você não me respondeu o porque…
Suas palavras ficaram perdidas pelo ar quando o corpo do Visão atravessou a parede ao seu lado.
-Visão! Já conversamos sobre isso - Wanda o repreendeu.
- Sim, mas a porta está aberta e então eu assumi que…- o androide parou quando sentiu o olhar divertido que o trio lançava para ele - Capitão Rogers queria saber quando o Sr. Stark chegasse.
- Obrigado, já vamos descer - Steve acenou.
-Eu vou usar a porta - Visão olhou em volta, parecendo perdido - Ah, e, aparentemente, ele trouxe um convidado.
-Sabe quem é? - indagou Katie.
-O Secretário de Estado.
◇◇◇
A sala de reuniões era um misto de sentimentos de cada um dos membros dos Vingadores.
Katherine, que estava sentada entre Steve e Natasha, não tinha a melhor expressão posta em seu rosto. Amarrou a cara de uma forma que nem o olhar do Capitão sobre ela, volta e meia, era capaz de suavizá-la.
Toda e qualquer coisa relacionada ao secretário de estado era motivo suficiente para permanecer emburrada.
-Há cinco anos eu tive um infarto e cai bem no meio de uma partida de golfe - dizia o Secretário Ross - Acabou sendo a melhor partida da minha vida porque após treze horas de cirurgia e três Pontes de Safena, eu descobri o que quarenta anos no exército nunca me ensinaram: Perspectiva.
Katie jogou a cabeça para trás e acabou encontrando o olhar de Tony. Nunca, em vinte e sete anos, tinha visto seu pai tão calado e repreendido como ele estava desde o início daquela reunião.
- O mundo deve aos Vingadores uma divida imensurável - continuou o Secretário - Vocês lutaram por nós, nos protegeram, se arriscaram…Mas enquanto muitas pessoas os vêem como heróis, tem aqueles que preferem o termo vigilantes.
-E qual termo o senhor usaria, Sr. Secretário? - perguntou Natasha, com um pequeno tom de deboche na voz o qual não passou despercebido pelo homem.
- Que tal perigosos? - sugeriu usando o mesmo tom que a viúva. - Como chamariam um grupo de aprimorados residentes americanos que rotineiramente ignoram as fronteiras internacionais e forçam sua vontade onde quer que vão e que, francamente, parecem despreocupados com o que deixam para trás?
A tela plana atrás do secretário se ascendeu em um mapa dos Estados Unidos. Katherine entendeu que os pontos marcados eram aqueles em que os Vingadores, algum dia, já passaram.
-Nova York.
Um vídeo do Leviathan caindo sobre o prédio teve um certo efeito em Tony que se reencostou no espaldar da cadeira em longo suspiro cansado.
-Washington, DC.
Rever as imagens dos aeroporta-aviões explodindo e o prédio do Triskelion consumido pelas chamas, fez o estômago da Stark se revirar e uma sensação péssima de enjoou subir pela sua garganta. Quando estava lá dentro não podia imaginar a grandeza aterrorizante que as pessoas viam de suas casas, ou de qualquer outro lugar em que estavam.
A mão de Steve deslizou sobre a sua e entrelaçou seus dedos em um aperto calmante que apenas fez todos os nós em seu estômago se desfazerem imediatamente.
-Sokovia.
As pessoas correndo desesperadas e um pedaço da cidade ser erguendo no ar antes de despencar em uma velocidade assustadora sobre o oceano. Wanda se encolheu um pouco sobre a cadeira e desviou o olhar.
- Lagos.
O prédio em chamas e os gritos das pessoas do lado de fora chegaram aos ouvido de todos ali. Pessoas que saiam do prédio dentro de um saco preto, outras que eram carregadas por voluntários e outros banhados em uma poeira cinzenta. Crianças sujas e com olhares repleto de tristeza. Katherine não podia continuar olhando aquilo, era humanamente impossível.
- Será que você pode desligar isso? - pediu ela, ríspida.
O secretário fez um sinal para um dos seguranças e instantes depois, a tela foi desligada.
-Nos últimos quatro anos vocês operaram com poder ilimitado e sem supervisão. É uma situação que os governos do mundo não podem mais tolerar, mas acho que temos uma solução.
Um dos homens lhe entregou um caderno de espessura grossa com os dizeres: OS ACORDOS DE SOKOVIA que era escrito em sua capa em letras garrafais e grandes.
-Os Acordos de Sokovia - disse Ross, deslizando o caderno sobre a mesa até Wanda. - Aprovado por cento e dezessete países, estabelece que os Vingadores não devem mais ser uma organização privada. Invés disso, eles operarão sob supervisão do painel das Nações Unidas apenas quando, e se, esse painel julgar necessário.
-Os Vingadores foram formados para tornar o mundo um lugar seguro e nós conseguimos isso - disse Steve.
-Diga-me, Capitão. Você sabe onde o Thor e o Banner estão agora? - retorquiu o secretário - Se eu perdesse duas bombas atômicas, pode ter certeza que haveria consequências.
- Não saber onde o Thor ou o Bruce estão não nos torna responsáveis por eles - Katherine encolheu os ombros - E eles não são piores que bombas atômicas, acho que os seus problemas com o Banner estão ultrapassados. Não concorda?
-O que sabe sobre os meus problemas com Banner, Srta. Stark?
-Mais do que você possa imaginar, Sr. Secretário - Katie forçou um sorriso.
- Compromisso, garantias - Ross continuou, ignorando o olhar mortal que recebia da Stark - É assim que o mundo funciona, acreditem, esse é o meio termo.
- Então, existem contingências - Rhodes disse.
-Em três dias, a ONU se reúne em Viena para ratificar o tratado.
Katherine se virou na cadeira e olhou para seu pai. O mesmo cabisbaixo antes de erguer o olhar para a filha. Não queriam admitir, mas de alguma forma, da qual não gostavam, havia uma certa concordância em relação ao tratado e ambos os Stark sabiam disso.
- E se tomarmos uma decisão que vocês não gostem…? - perguntou Natasha, calmamente.
- Então, vocês saem de cena - respondeu com simplicidade.
◇◇◇
Havia algo nessa ideia de tratado que chamou sua atenção. Uma versão que pudesse ser mais segura para os moradores, a qual podiam contar com o Vingadores sem que tivessem medo que suas cidades fossem destruídas. Por que Katherine sabia que isso aconteceria novamente e em várias outras vezes seguidas.
Era uma dura realidade, não podiam trabalhar nessas condições. Katie entendia os prós e contras da existência dos Vingadores, as pessoas contavam com eles e com a destruição que viria logo depois. Não imaginou que isso fosse acontecer, mas, no momento, esse tratado fazia muito sentido.
A discussão hilária entre Sam e Rhodes foi incapaz de colocar um sorriso no rosto da Stark. Aliás, ninguém naquela estava com ares de felicidade. O clima frio e tenso predominava no ambiente enquanto Steve lia silenciosamente cada página daquele tratado. Natasha e Katie sentaram em um dos sofás, ambas absolutamente sérias e com o olhar fixo no carpete cinza sob seus pés.
- Por quanto tempo vai jogar nos dois lados? - perguntou Sam à Rhodes.
Aquela discussão durava longos minutos.
- Eu tenho uma equação - disse Visão, atraindo o olhar de todos para ele.
- Ah, agora vai esclarecer tudo.
-Nos oito anos desde que o Sr.Stark se anunciou como Homem de Ferro, o número de pessoas aprimoradas conhecidas cresceu exponencialmente, e, durante o mesmo período o número de eventos com potencial fim do mundo subiu em uma taxa notável.
- Está dizendo que a culpa é nossa? - indagou Steve, arqueando a sobrancelha direita.
-Estou dizendo que pode ser uma consequência - Visão exemplificou.
-Toda ação tem uma reação - Katie murmurou, deitando o corpo no sofá.
- A nossa força convida para o desafio, o desafio excita conflito - continuou o androide - E o conflito gera catástrofe. Supervisão não é uma ideia que possa ser totalmente descartada.
Catástrofe. Está aí uma palavra que Katherine queria riscar de seu vocabulário.
-Boa - concordou Rhodes. Satisfeito que havia um ponto à seu favor na discussão com Sam.
-Tony - chamou Natasha. - Eu acho que é a primeira vez que eu te vejo calado dessa forma.
-É porque ele já tomou a decisão - disse Steve.
- Que bom que você arrumou um namorado que me conheça bem, Kat - murmurou Tony, levantando do puff onde estava. - Ah, eu estou com uma dor de cabeça eletromagnética.
Katherine revirou os olhos e virou a cabeça em direção à cozinha, para onde seu pai havia ido.
-É o que está acontecendo, Capitão, é só dor e desconforto - disse ele, pegando uma caneca na bancada - Quem está jogando pó de café na pia, hein? Eu estou dando abrigo à uma gangue de motoqueiros?
-Vá direto ao ponto, pai - pediu Katherine em um tom de voz incrivelmente baixo.
Tony tirou o celular do bolso e o colocou sobre o balcão. Clicou na tela e um holograma de um menino se elevou para que todos vissem. Katie ergueu, parcialmente, seu corpo para enxergar melhor a imagem do menino.
- Ah, esse é Charles Spencer, à propósito. Garoto bom, formado em engenharia da computação. Sua média geral era 9.5, tem um emprego promissor, vai trabalhar na Intel. - Tony dizia - Mas primeiro, ele queria alguma experiência de vida antes de passar o resto dos dias atrás de uma mesa. Ver o mundo, talvez ajudar pessoas. - ele parou e olhou para a equipe - Charles não queria ir para Vegas ou Fort Lauderdale, o que eu faria, ele não queria ir para Paris ou Amsterdã, que parece divertido. Ele decidiu passar o verão construindo casas sustentáveis para os pobres, sabem onde? Sokovia!
Katie sentou e levou as mãos até o rosto, secando, involuntariamente, os olhos cujo avermelharam-se enquanto ouvia seu pai falar. Tinha uma breve noção do que aconteceu com aquele garoto. E uma nova onde de culpa aterrissou em seu peito.
- Ele queria fazer a diferença, mas não vamos saber porque derrubados um prédio em cima dele enquanto estávamos arrasando! - Tony exaltou - Não estamos aqui para tomar qualquer decisão, temos que ser controlados. Do jeito que for eu estou pronto, se não aceitarmos limitações somos desgarrados. Não seremos melhores que os vilões.
-Tony, se não conseguir salvar alguém não pode desistir - disse Steve.
- Quem está desistindo?
-Estaremos se não nos responsabilizar pelas nossas ações. Esse documento só transfere a culpa.
-Desculpa, Steve, isso é perigosamente arrogante - Rhodes interviu - Estamos falando das Nações Unidas, não é do Conselho de Segurança Mundial, não é da SHIELD e nem da HYDRA.
-Não, mas é comandado por pessoas com ideais e ideais se alteram. - argumentou o Capitão.
-Isso é ótimo - Tony disse - É por isso que estou aqui, quando percebi do que as minhas armas eram capazes nas mãos erradas, eu encerrei e parei de fabricá-las.
-Tony, você escolheu fazer isso. Se assinarmos estaremos cedendo ao nosso direito de escolher - disse o louro. - E se esse painel nos mandar para algum lugar que não queremos ir e se algum lugar precisar de nós e não permitirem? Podemos não ser perfeitos mas as mãos mais seguras ainda são as nossas.
- Essas mesmas mãos seguras derrubaram um prédio na cabeça de um garoto inocente.
Todos olharam para Katherine. A moça não encarou os amigos de volta.
-Nós interrompemos os sonhos de um jovem, nós interrompemos a vida brilhante que esse garoto teria e nós tiramos um filho de uma mãe - continuou ela - Quantas vezes isso vai voltar à acontecer até que cada um de nós tenha que carregar uma culpa por essas vidas destruídas? Salvamos pessoas e destruímos suas cidades, qual a vantagem disso?
- Você é a mesma garota que mandou o governo se ferrar? - perguntou Sam, incrédulo.
- Eu não mandei o governo se ferrar - Katie fez uma careta - O mundo precisa dos Vingadores, mas precisa de maneira moderada. As pessoas precisam ter a garantia que iremos salvá-los e que nada será destruído no processo. Precisamos de controle, e isso - apontou para o documento nas mãos de Steve - É a melhor forma de garantir que as pessoas vão parar de sofrer enquanto nós bancamos os heróis.
- Kat…
Steve não conseguiu lhe dizer qualquer coisa quando a moça agarrou uma camisa xadrez que estava ao seu lado e deixou a sala, saindo pela porta dos fundos. Katherine já tinha feito sua escolha mesmo que doesse na mesma dizer isso em voz alta. Ela saiu para os jardins, onde o verde que rodeava o complexo parecia fazê-la relaxar.
Uma hora ou outra isso viria à acontecer, dolorosamente era um fato que todos deveriam estar esperando. Nova York ainda se recuperava do que aconteceu, as ruas não estavam totalmente limpas e renovadas, ainda existiam alguns rastros deixados pelos Chitauris e até mesmo deixados pelos próprios Vingadores.
Não queria que isso causasse uma briga entre eles, mas era uma divergência tão grande de opiniões que parecia inevitável que não acontecesse.
- Eu não quero discutir com você, Steve - disse a morena quando sentiu a presença do Capitão ao seu lado.
- Não vim por isso - murmurou ele, puxando seu braço para que ele pudesse abraçá-la.
Ela agradeceu silenciosamente enquanto passava seus braços no corpo dele. Katie não queria chorar, só queria que fosse consolada. E assim eles ficaram, por longos segundos sem que nada atrapalhasse até que o celular de Steve vibrou. Ele soltou um braço dela e puxou o aparelho.
- Aconteceu alguma coisa? - Katie perguntou vendo a mudança drástica na expressão do homem.
- A Peggy…
- Que foi? Ela está bem?
E a resposta veio quando ele tornou a abraça-la, dessa vez buscando consolo nela. Katherine não demorou para entender.