01. quem está julgando?

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Todos estavam com pressa para se tornarem importantes.

Encarei minhas mãos, meus dedos curvados em torno do copo branco com um rostinho feliz gravado. Então, melancolicamente encarei a cadeira vazia em minha frente e a outra ao meu lado, os sons de vozes e risadas e resmungos preenchendo o espaço ao meu redor.

Todos estavam com pressa para se tornarem importantes.

Ou talvez só não quisessem ser esquecidos.

Os assentos vazios tornaram o gosto do cappuccino amargo e áspero em minha língua. Lembranças inconvenientes para as quais eu não tinha tempo e muito menos disponibilidade emocional insistiam em se agarrar à minha pele. Contaminar o oxigênio em meus pulmões e gelar o sangue em minhas veias que segurava à vida em meu corpo — ou o que quer que isso ainda significasse.

Não podia tê-los agora. Não podia lamentá-los agora. Não podia porque uma vez que os deixasse entrar, não conseguiria dominá-los. Não conseguiria me lembrar de qualquer esperança ou coragem que tive ao decidir partir — não conseguiria ser maior que eles. E eu talvez pudesse me render e arriscar deixar tudo vir, mas não havia tempo.

Bloqueei as lembranças e as deixei se adaptarem as novas formas do meu sistema. Sem tempo para lamentar. Sem tempo para analisar opções que, após um tempo, tornaram-se lógicas e claras e utilizáveis em determinado momento do passado, mas que já não podiam mais ser alteradas. Sem tempo para doer.

Só seguir em frente e fazer o que eu tinha que fazer: certificar-me de que a família que me restava ficasse a salvo.

Mas não tinha entendido, no geral, como a vida funcionava até que fui forçado.

Você precisa abrir mão de algumas coisas ao buscar por mais. Precisa abrir mão de muito mais quando assume a responsabilidade de amar alguém e garantir que o mundo ainda seja seguro até que ele possa desbravá-lo sozinho.

E não era nada justo ou bonito. Era real e cru e eu nunca quis nada disso.

Então, há quatro anos, enterrei meus pais e abracei meus tão jovens irmãos desprotegidos e tomei uma decisão.

Eu não queria, mas fiz mesmo assim. Porque alguém tinha que fazer e não restava mais ninguém para fazê-la por nós. Assumi responsabilidades que nunca quis, me ressenti de ser o irmão mais velho quando nunca pensei que fosse possível. Porque ao tomar essa decisão, alguém seria o vilão. Alguém seria incompreendido e explicações e justificativas seriam só historinhas mal contadas.

Como quando um pai põe o filho de castigo e o proíbe de ir a uma festa; ele geralmente está certo o protegendo de riscos que ele não precisa se submeter, mas não sabe disso ainda. Quando uma mãe toma uma decisão que faz seu filho ficar bravo, tão furioso que chega a pensar que a odeia.

Mas eles precisam proteger sua família. E saber tomar decisões difíceis era o ponto alto disso tudo.

Alguém. Sempre. Perdia. Algo.

E poderia ser irreparável.

Eles falavam sobre a beleza de permanecer ao lado de quem você ama independente de qualquer coisa, porque o amor, a união, eles ultrapassavam barreiras. Curavam dores tão profundas que marcavam seu espírito. Eles garantiam que nada era maior do que o poder do amor e te convenciam de que isso poderia ser suficiente para salvar seu mundo — salvar o mundo de quem depende de você.

Mas, de onde viria o amor se não restasse nada além de uma limitada e trágica noção da glória de vencer dias com a ilusão de que o amor consertará um amanhã consequência de um passado fora de nosso controle?

Our Way HomeWhere stories live. Discover now