Capítulo 9

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Thalita observava a obra de Bruno Giorgi, admirada.

Como a mãe falou dessa escultura a viagem toda, enquanto a trazia para a capital brasileira, nada mais pareceria tão instrutivo quanto ser ela a primeira a ser vista em seu passeio cultural.

Tirou uma selfie com "O Meteoro", conferiu para ver se tinha ficado perfeita e a enviou para a progenitora.

No avião, a mãe lhe contara que a escultura fora motivo de discórdia entre os projetistas do Ministério das Relações Exteriores. Niemeyer se mostrava receoso, pois não queria nada que contrastasse com sua criação. Precisando, assim, de uma cena curiosa, quando o Dr. Olavo Redig de Campos, arquiteto-chefe do setor de conservação do patrimônio do Itamaraty, ao amassar uma folha de papel e a colocar diante da maquete do prédio, para convencer o orgulhoso arquiteto. Ele provou com aquela cena, no mínimo, divertida, entre os idealizadores de Brasília, que as figuras, sim, se completavam.

A garota concordava agora, com um sorriso, vendo-a parecer flutuar sobre o lago, destacando ainda mais a magnitude do prédio à sua frente.

Ela andou para dentro do prédio tentando manter-se sempre voltada para a escultura. Queria vê-la de todos os ângulos possíveis, mas sem parecer uma turista empolgada.

Ela mal abandonou esse pensamento e um grupo de excursionistas surgiu com as câmeras de seus celulares apontadas para o monumento. As pessoas estavam empolgadíssimas, gritando, comentando, o guia contava a mesma história que sua mãe.

Vê-los fez a garota, há poucos metros da entrada, atravessar o portal quase correndo.

Ela não queria que pensassem que estava com eles.

Mesmo assim, se divertia como nunca.

Realmente sair e conhecer a cidade que a abrigaria nos próximos quatro anos foi a escolha certa. Quase não se lembrava mais que sua identidade poderia estar enterrada em algum buraco ou que algum bandido, que a vigiava, estivesse planejando fazê-la escolher entre duas pílulas, antes de matá-la.

Distraída, Thalita não notou que, entre os excursionistas, havia alguém que ela já vira algumas vezes. Alguém que se mostrava bem mais preocupado com cada passo dela do que com o que o guia falava, ou para as obras de arte no saguão. Caso fosse preciso, ele deixaria seu grupo para manter-se de olho nela.

A garota observava com atenção cada uma das obras, os bustos das pessoas mais famosas da política brasileira. No entanto, ela conhecia apenas um ou outro rosto dos patronos da diplomacia nacional. Então lia cada uma das plaquetas abaixo das estátuas, o que a fez ficar ali por mais de meia-hora.

Em seguida, ela foi à Sala dos Tratados, pensava em todos os segredos que aqueles móveis escondiam.

Passou a mão levemente sobre a mesa em que a Princesa Isabel assinara a Lei Áurea, sabendo que aquele móvel sim deveria ter presenciado grandes mistérios da família que dera ao Brasil sua "soberania". Segredos esses impregnados em cada centímetro de sua madeira.

Thalita riu diante da ironia, pois o território do atual Brasil saíra das mãos diretas de Portugal para as indiretas da Inglaterra. A nova nação se livrava da vassalagem colonial para se tornar uma livre credora.

Não diferente do que viria, ela própria, a fazer com os milhares de homens e mulheres lhes deixados de herança por seus antigos senhores. Depois de séculos os explorando, resolveu abandoná-los à própria sorte após a herdeira do trono brasileiro firmar o tratado que os libertou da servidão. Desobrigando-os de terem proprietários, porém, apenas isso, pois os condenaram, na verdade, ao esquecimento.

O troteWhere stories live. Discover now