Capítulo 33

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— Tudo bem, menina, ganhou minha atenção... — Uma mulher baixa e magra, porém imponente, negra de cabelos ondulados, presos em um rabo-de-cavalo, entrou, decidida. Ela usava calça jeans preta e camisa grafite...

— Por essa eu não esperava... — resmungou Thalita, ainda de pé atrás da mesa, encarava fixamente, perplexa, a nova peça que caíra do nada sobre o tabuleiro que era preparado por ela até então. Era preciso esconder o nervosismo, mais do que nunca agora, a presença daquela mulher desconhecida na história destruía completamente o roteiro mental que fora criado.

— Sou Karina Reese, da inteligência brasileira — continuou enquanto sentava-se de frente para Thalita, indicando com a mão para que a moça se sentasse novamente. — Estou ouvindo...

— Onde está a diretora Virgínia Teodoreto? — insistiu Thalita, estática, olhando a figura icônica a sua frente de cima para baixo. As informações que tinha sobre a diretora-geral da Polícia Civil do Distrito Federal eram o único trunfo capaz de mantê-la fora da cadeia, mas isso se daria tão somente se fosse atendida por ela, somente ela. Pelo menos era o que acreditava, que planejara...

— Achei que já soubesse; com toda essa pose tirada dos livros de Sherlock Holmes?

— Vou deixar as mulheres se entenderem — avisou Dr. Honorato, já à porta. — Alguém aceita um café? Chá?

— Para ela não estar aqui — continuou Thalita — só pode significar que está morta...

— Por que tem tanta certeza, você a matou?

— Está desaparecida, então... — concluiu. — Quando foi?

— Me diz o que tem, se valer o tempo que estamos perdendo aqui, eu conto onde está a diretora... — Karina tentava analisar a garota à frente, ainda em pé, esforçando-se, pateticamente, para mostra-se superior. A agente sabia que as reações do interrogado são fundamentais para determinar suas verdadeiras intenções, se são de colaborar ou apenas para ganhar tempo. Nada! A garota era realmente boa. — Feito?

Thalita assentiu com a cabeça e, durante a hora seguinte, contou à agente tudo que se passara com ela desde o primeiro dia de aula até aquele momento, menos, claro, seus encontros com o sujeito misterioso de terno branco; ou os arquivos confidenciais que detinha em seu smartfone... Era preferível compartimentar alguns fatos e evitar se comprometer mais do que já estava. Ela nunca admitiria, mas esse foi um dos aconselhamentos, dos muitos, de seu "instrutor investigativo".

Após ouvir todo o depoimento, a agente especial Karina Reese pareceu especialmente interessada em dois pontos da narrativa de sua confitente, levando-a a pedir que Thalita recontasse esses trechos com o máximo de detalhes que sua memória conseguisse relembrar. Dessa vez, porém, Karina interrompeu a testemunha com algumas perguntas pontuais retiradas das anotações feitas durante o relato pregresso. Fazendo, com isso, que a entrevistada repetisse a mesma coisa algumas vezes, criando um padrão para determinar a veracidade de tais acontecimentos.

Intrigaram Karina o suposto envenenamento da testemunha e o desaparecimento de Letícia durante o achamento da canastra do trote: onde foi parar todo aquele ímpeto para resolver o mistério de até então?

Quanto ao primeiro episódio, suas dúvidas giravam em torno do momento em que Thalita supunha ter sido envenenada e o que a levava a ter tanta certeza de que fora isso mesmo o ocorrido e não uma intoxicação alimentar qualquer...

— Ouvi a médica dizer antes de apagar? — sugeriu a garota, pouco à vontade com a insistência da outra mulher. Bem que ela gostaria de dizer: tenho minhas fontes, não enche o saco! mas isso seria a confissão de que possuía uma parceria nada ortodoxa e suspeita, auxiliando-a por trás das cortinas.

Após ouvir esse trecho o tanto quanto foi necessário para se dar por satisfeita, Reese passou para o assunto seguinte:

— E sua amiga, por que não estava com você quando entrou na sala fria?

— Eu não sei — titubeou Thalita, já era a terceira vez que precisava responder àquela pergunta, mas dessa vez algo relampejou lá no fundo da memória — ela estava logo atrás de mim, mas nunca chegou lá... Ah, sim! Ela mandou mensagem depois, disse que o pai ligou pra ela... disse que foi logo que eu subi na moto do Ian e... — Thalita parou de falar, como se o fio da meada finalmente reconectasse à sua ponta solta. — Pode devolver meu celular um instante? — pediu, perdida em um mapa mental de paranoias.

— O que quer com ele? — retrucou a agente, intrigada, interessando-se finalmente por aquela ladainha que mais lhe parecia um filme adolescente do que um caso sério e que requeresse a atenção da inteligência nacional...

— Nada demais, — divagou a testemunha — apenas confirmar...

Karina gesticulou para o espelho e Dr. Honorato adentrou a sala com o artefato dentro de uma sacola transparente para evidências.

Thalita tomou o embrulho e recuperou o dispositivo com ansiedade. Ligou-o e o tempo gasto para a reinicialização a consumia como a iminência de um bolo de chocolate saindo do forno. Assim que teve controle das ações foi direto à pasta aonde escondera os arquivos secretos, já nem raciocinava mais, desconsiderando que fazer aquilo tendo um delegado e uma agente da inteligência brasileira atentos ao que pesquisava poderia encrencá-la mais que a acusação de assassinato em si.

Ao chegar ao seu objetivo, porém, o dossiê sobre Letícia havia sumido.

— Filha da...

— O que foi!? — interpelou Karina, curiosa em saber o que teria naqueles PDF intitulados com os nomes dos colegas de Thalita, que a moça tanto passava o dedo, subindo e descendo a listagem incansavelmente, perplexa por não encontrar o que procurava.

— A maldita apagou... — murmurou Thalita, mesmo assim seus companheiros de sala a ouviram.

Até então a acadêmica não dera a devida atenção àquele arquivo específico, como se Letícia, ao se tornar sua amiga, deixasse de ser uma entre os oito, como ela chamava os concorrentes do jogo imbecil ao qual forçavam os calouros de direito a participarem. Thalita nem sequer chegou a abrir o PDF... Como pôde ser tão idiota?

— Hei, você não pode fazer... isso! — protestou o delegado, e levou a mão para impedir que Karina pegasse o smartphone da suspeita, mas já era tarde. — Não sem luvas...

— Garota — observou a agente após abrir um dos arquivos — você é uma caixinha de surpresas! — Fechou esse e abriu alguns outros. Assoviou admirada após conferir a ficha do reitor da universidade. — Olha só, Michael... Com isso aqui meu trabalho seria bem mais fácil — riu. — Veja, ela tem até fotos dos documentos de identidade, certidões... Isso aqui é um dossiê digno do DOI CODI... Iguais àqueles que a gente recebia no exército, lembra?

— Quem é você, garota? — perguntou Dr. Honorato colocando-se diante das vistas de Thalita.

— Apenas uma acadêmica de direito que sonha ser promotora um dia...

— E o que uma acadêmica de direito faz com uma coisa dessas!? — O delegado apontou para o smartfone à mão de sua ex-companheira de exército, atônito.

— Não é meu — disse ela, indecisa — quer dizer... é meu, mas não tenho nada a ver com eles...

— Isso a gente vai descobrir — ameaçou Karina — já que tem informações aí que nem a agência para a qual eu trabalho possui... Não que eu saiba.

— Não sei, apareceu aí, tá! — queixou-se Thalita, ela segurava para não chorar. Estava furiosa, na verdade, não com as ameaças de seus interlocutores, mas pela traição de Letícia. Ela foi realmente idiota em acreditar que eram amigas.

— Isso não importa mais— concluiu Karina Reese, devolvendo o celular para a dona. —Você acabou de conquistaro direito de nos provar sua inocência...

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