Capítulo 17

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Somente Legião Urbana se atreveu a emitir qualquer som durante o trajeto que separava o hospital de onde a menina fora resgatada até o Glênio Bianchetti, prédio no qual seus pais alugavam um apartamento para ela.

Os alto-falantes do BMW primeiro cantaram a história de vida de João de Santo Cristo, a qual esteve com eles na maior parte do silêncio sepulcral e constrangedor existente entre os ocupantes do veículo. Por fim, foi a vez de ouvirem sobre o amor incondicional de Eduardo e Mônica, o que levou a moça, no início da canção, a olhar para seu cavaleiro branco por uma breve fração de segundo, não se sabe o que passou por sua cabeça nesse momento.

A maior parte do tempo, contudo, eles olhavam cada um para um lado da cidade.

Ele sabia que a garota estaria por conta própria assim que a deixasse à entrada de seu prédio. Por sorte, havia sempre alguém à espreita. O mesmo que lhe presenteou, de uma forma inusitada, o exemplar de mais de vinte mil dólares de Sir Arthur Conan Doyle, o qual, claro, pretendia pegar de volta quando tudo aquilo acabasse.

Thalita, por sua vez, olhava para as ruas, prédios, canteiros e árvores que cruzavam sua visão pela janela, à direita do veículo de quase um milhão de reais, ela tentava entender tudo o que lhe ocorrera até então.

Ela mal chegara à Brasília e um estranho passou a vigiar todos seus passos.

No primeiro dia de aula foi convidada e depois ameaçada a participar de um jogo idiota.

No segundo, passara mal, e a suspeita é de que fora envenenada, fazendo-a apagar por longos dois dias.

Resultado de tudo isso, desde que o ano letivo começou, ela não conseguira estudar. E sua mãe, tão preocupada com seu desempenho, ainda não entrou em contato. Se conhecia bem sua progenitora, a falta de notícias a teria feito pegar o primeiro voo para Brasília, poucas horas depois de sua última mensagem.

Talvez ela já estivesse na cidade, a esperando em sua casa...

Mas ela havia fugido do hospital, e estava no carro de um estranho que dizia estar salvando sua vida, mas que não dissera nada que fizesse sentido até então. Aquele veneno deve ter afetado mais do que apenas seu corpo, que ainda doía um pouco.

O carro parou diante do prédio de Thalita no momento em que Eduardo subia em seu camelo para se encontrar com Mônica, e os alto-falantes se calaram antes que o rapaz pudesse encontrar a mulher de sua vida pela primeira vez.

— Enfim, aqui estamos... — Ele disse depois de o motorista abrir a porta do lado da menina que se virou para seu acompanhante pela segunda vez desde que aquela viagem começara. Seu olhar fazia milhares de perguntas, mas sua voz não conseguia emitir as palavras.

Thalita desceu...

— Espera! — Ele saiu do veículo e estendeu para ela a mochila de tecido que seu pai trouxera do Canadá um mês antes de ela se mudar para a capital nacional.

Thalita segurou a bolsa e a abriu. Suas coisas continuavam lá, como ela as havia deixado.

— Tomei a liberdade de responder sua mãe... — Ele anunciou com naturalidade. — Passei para ela suas preocupações e planos de estudo... Também falei sobre o trote...

— P-Por quê? — Thalita conseguiu dizer...

— Para que ela não viesse correndo te ajudar...

Thalita entrou correndo, com as últimas palavras daquele homem indo e voltando em sua mente. Como se ela quisesse a mãe ali.

O que ela queria realmente saber eram os motivos de um estranho se meter tanto em sua vida.

Claro que ela agradecia sua ajuda, mas suspeitava que, talvez, nada daquilo aconteceria sem sua intromissão, sem sua ajuda.

Ela subiu pelas escadas, pretendia chegar ao apartamento antes de aquele sujeito metido a besta partir, pretendia devolver seu livro.

De preferência, bem no para-brisa daquele carro chique.

No entanto, apesar de alcançar seus aposentos, pegar o exemplar sobre o sofá de dois lugares o mais rápido que pôde, ao abrir a janela, o BMW M850i desaparecia à esquina.

O troteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora