Capítulo 26

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Thalita acordou assim que o Jaguar XJ, chamando a atenção dos habitantes locais, encostou diante de uma velha e suja mecânica no centro da região administrativa de Gama. O sujeito miúdo pegou o smoking das mãos da menina, desceu do veículo e colocou a peça sobre os ombros, como uma capa.

No interior do veículo, Thalita continuou sentada. Observava o companheiro, ainda intrigada com quem ele poderia ser, mas agora sentia uma inquietação, um medo, na verdade, ao notar certa semelhança, no que via, com o personagem principal de O Poderoso Chefão, filme que o pai a obrigara a assistir com ele mais de uma vez anos atrás, só que com terno branco, não o tradicional preto, riscado de giz ou não, usado pelos mafiosos no clássico hollywoodiano.

Ainda presa em seus pensamentos, sentiu o coração disparar quando sua porta se abriu e lá estava uma mão enluvada estendida em sua direção. Ela podia jurar que havia uma arma apontada para ela entre aqueles dedos. E, intuitivamente, encolheu-se no assento do automóvel.

Apenas sentiu-se confortável para deixar seu refúgio quando o motorista se abaixou para conferir como ela estava.

A passageira agarrou a mão envolta por couro negro e desceu, finalmente, mas ficara incomodada com a atenção que aquela cena atraía. Não era uma celebridade, mas as pessoas em volta a tratavam como uma, mostrando a necessidade dos moradores daquele lugar de serem vistos, visitados por alguém com condições de distraí-los de sua vida miserável.

Ajeitou o cabelo com uma das mãos, na tentativa de despertar-se de vez do surto alucinógeno recente, e acompanhou o parceiro, que lembrava a um magnata com sua vestimenta impecável e alva, um coronel da Primeira República, sempre agarrada ao "tesouro", como uma leoa à presa, até o interior do estabelecimento cheirando a graxa, óleo e gasolina.

Um rapaz negro e franzino demais, na opinião de Thalita, para ser um mecânico aproximou-se do casal, limpava a graxa das mãos em uma estopa ainda mais suja que a parte do membro superior esfregada displicentemente com ela. Cumprimentou-os a uma distância considerável e indicou os fundos da oficina.

Para o que parecia ser seu escritório.

— Em que posso ajudá-los? — perguntou, pouco antes de sentar-se e indicar os acentos de madeira à frente de sua mesa, duas cadeiras velhas que mais pareciam peças retiradas de uma cozinha após anos de uso e maus-tratos.

— Quero falar com o Zeca, ele está? — exigiu o sujeito vestido de branco, parado no mesmo local desde que entrou naquele cômodo apertado, como se aquilo fizesse parte do ritual.

— Por que não disse antes!? — celebrou o rapaz, mas de uma forma forçada, ensaiada.

Porém, quando ele enfiou a mão sob o tampo da mesa, Thalita o viu pegar uma arma e apontar para eles, por baixo do móvel.

A garota recuou uns dois passos, diante da surpresa, sendo amparada mais uma vez por seu companheiro, que a livrou de se sujar na parede engraxada atrás deles.

Contrariando o preconceito da moça branca de classe média-alta, apenas o som de ar vazando violentamente penetrou o ambiente, não o de disparos de uma pistola imaginária. Instantes depois, a parede de tijolos e concreto se abriu, revelando-se ser uma passagem secreta. Na verdade, tratava-se de uma lâmina de metal pintada para se parecer com a parede de tijolos. Um truque simples de camuflagem, mas que se mostrava bem eficiente por sinal.

Com a mão logo acima do quadril de Thalita, a qual permanecera ali desde o espasmo da garota, o sujeito de branco a conduziu para a abertura.

Assim que o casal adentrou o túnel, o jovem mecânico enfiou a mão novamente sob a mesa e pressionou o mecanismo uma segunda vez. O som característico de um compressor de ar ecoou e a parede se refez.

O troteWhere stories live. Discover now