Capítulo 3

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— Bom dia, bichos? — cumprimentou o palestrante, empolgado, após sua antecipação dramática e se apresentar... Seu nome, Bruno Paiva. A ênfase que dera ao dizer o próprio nome sugeriu à Thalita que fosse alguém importante. O que, obviamente, não era.

Alguns gatos pingados responderam desanimados ao cumprimento, sobressaindo apenas uma ou outra voz mais exaltada.

Para surpresa de Thalita, ela notara que alguns de seus colegas faziam parte dos gatos pingados, fãs do palestrante bombado.

Pelo menos alguém se mostrava ansioso por ser humilhados pelos veteranos de seu curso.

— Vocês estão muito desanimados para um primeiro dia de aula! — continuou ele. — Não estão em um velório. Vou dizer de novo e quero ver o maior "bom dia" de todos os semestres. Estão preparados? BOM DIA! — Desta vez metade do auditório respondeu ao apelo motivacional, a maioria menos desanimada do que antes. — Bem melhor... — Ele fez uma pausa um pouco longa demais para Thalita e se aproximou da borda do palco. — Não vou tomar muito seu tempo, só nos deram até o intervalo... — Mais uma pausa, dessa vez para sentar-se na beirada. — Enquanto a maioria dos cursos fazem um "trote", aqui não o chamamos assim, pois, aqui, realmente este é um evento de boas-vindas... Vamos ser concorrentes no futuro? Vamos, claro. Mas, nesse exato momento, estamos no mesmo barco. E quem melhor para avisar o quanto vão sofrer nesses quatro meses seguintes do que nós, que ainda estamos passando por todo esse inferno?

"Bom, outra diferença com os demais cursos, o nosso não dura apenas algumas horas. Aliás, o nosso, semestre passado, só foi finalizado após dois meses de muito esforço, e estão olhando para o vencedor. Sim, fui eu. E por isso estou aqui com vocês essa noite. Só peço humildemente: por favor, não demorem tanto. — Houveram alguns burburinhos de risadas, o que, para Thalita, não fizeram nenhum sentido. — A festa dos bichos só acontece após o findar do evento de recepção... e quem não gosta de uma festinha "inocente"?

Bruno fez mais uma pausa, um pouco mais longa que as demais, e que o necessário, pelo menos para Thalita, que estava quase se convencendo de que aquilo era uma perda de seu valioso tempo, o qual poderia estar usando para aprender, já havia se passado metade da aula Filosofia do Direito.

— Estão vendo o artefato aqui com a Nathália? — Bruno fez sinal para a moça com a canastra às mãos se sentar ao seu lado. — Esse é nosso tesouro... — Disse apontando para a caixa em forma de um pequeno baú. — Ou será — ele riu antes de abraçar a colega que se postou ao seu lado —a Nathália, aqui, mais conhecida como Nathália Ferraz de Brito, ou Nathy, para os íntimos, não está aqui apenas por ser bonita. — O rapaz beijou o rosto da menina que recuou, parecendo um pouco enojada — Essa filha-da-mãe, para não dizer um palavrão, quase me venceu semestre passado. Foi uma adversária formidável. Outro concorrente à altura foi o Raul, Raul Vaz de Lima... — Bruno olhou em volta para ver se encontrava o colega. — Ele ficou em terceiro... Mas ele não deve estar aqui... Vão descobrir porque mais tarde...

Bruno levanta-se e ajuda Nathália a ficar de pé também. Ele volta até o púlpito, enquanto a moça permanece à frente do palco.

— O baú, como podem ver, está vazio... — Nathália abrira a canastra e a virara para a plateia. — Mas logo ela estará cheia. E será pelo conteúdo que será depositado aí dentro que vocês competirão. — Diversas conversas paralelas começaram a crescer, o que obrigou o palestrante a erguer a voz, quase euforicamente. — Como funciona nosso evento de iniciação devem estar se perguntando? Bem, é uma escolha, vocês precisam decidir agora se vão participar ou não. Para aqueles que preferirem apenas se concentrar no curso, que já é bem difícil por sinal, precisam pagar pela desistência.

"A taxa de isenção do jogo é de 120 reais em espécie. Não aceitamos cheque ou cartão. Toda a grana de vocês, nossa grana, vai ficar presa dentro da arca. — Bruno gargalhou mostrando a tela do smartfone para os calouros. — O que pensaram que era quando mandamos no grupo que trouxessem grana hoje?

"Aos demais, os que preferirem ao jogo em vez de se livrar do tão adorado dinheiro, vamos recolher suas identidades, literalmente. Bom, pelo menos o documento que comprova isso. O RG. Que também vai ficar aqui dentro, com o dinheiro. — Ele apontou para a caixa de tampa arredondada à mão da colega. — Um incentivo maior. Ah, quem não tiver grana em mãos, está automaticamente na competição. Ou pode ficar esperando até que alguém recupere o baú por ele — Bruno gargalhou mais uma vez. — Como disse antes, não aceitamos pré-datados. E... antes que algum espertinho pense em fugir, sem pagar, notem que as saídas estão bloqueadas. — Ele apontava agora para a porta por onde Thalita entrara quase vinte minutos antes. — A única disponível para que deixem o recinto é a da sua direita. Então, por favor, aqueles que não querem participar, e têm 120 na carteira, dirijam-se em ordem até lá. Nathy, por favor.

O palestrante ajudou a moça a descer e ela se dirigiu para a saída, para junto de outra acadêmica, sentada em uma carteira com uma prancheta sobre o braço do móvel.

— Enquanto a Nathy estará recolhendo o capital, a Ana Raquel ali, suas assinaturas. — Bruno voltara a se sentar na borda do palco — para os corajosos que aceitarem nosso desafio, peço que permaneçam em seus lugares. Assim que nos livrarmos dos investidores, daremos início ao que realmente interessa — das mais de 100 pessoas dentro do auditório, apenas sete permaneceram em seus lugares.

Thalita, como não concordava com nenhuma das alternativas, dirigiu-se para a saída também.

Indignada.

Ao chegar sua vez, porém, não pretendia entregar parte de seu orçamento semanal para financiar um monte de idiotas a encherem a cara, ainda mais que havia deixado parte dos 120 que trouxera consigo no taxi.

— Dinheiro no cofre e assine aqui. — Anunciou Ana Raquel. Ela apontava para o bauzinho nas mãos de Nathália e para a lista sobre o braço da cadeira.

— Não vou pagar! — Avisou Thalita, procurando seu nome nas linhas finais da lista, que foi retirada imediatamente de seu alcance quando se preparava para assinar. — Hei...?

Sem dinheiro, sem acordo. — Acrescentou Nathália com um sorriso debochado, e decidido, no rosto. — Não há uma terceira opção, queridinha, se não quer pagar, volte para seu lugar e espere, como os outros.

— Não sou obrigada a nada! — Retrucou Thalita, procurando manter o tom de voz sereno e calmo.

Queridinha, não sei de que mundo veio, mas aqui é a universidade, e vocês são nossos escravos por seis meses. Então, queridinha — rosnou Nathália dando um passo na direção da causadora do motim — pague sua alforria ou volte para seu lugar!

— Sai da minha frente! — Thalita empurrou Nathália para o lado, mas foi bloqueada por um rapaz o dobro de seu tamanho. — Se não me deixar passar, vou falar com o reitor sobre isso...

Ele está bem ali, com o Bruno. — Apontou o brutamontes, sorridente.

O troteOù les histoires vivent. Découvrez maintenant