Capítulo 21

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— O que houve, bebê!? — perguntou Letícia.

Ela estava à entrada do campus esperando Thalita havia alguns minutos. Seu sotaque nordestino sobressaia nesse momento, o que apenas acontecia quando ficava muito nervosa.

— Tentei falar com você o fim de semana todinho. Onde se enfiou?

—Aqui, resolvendo enigmas bobos — Thalita respondeu naturalmente, sem entender o desespero da outra. — Mas valeu à pena... — continuou ela, um pouco empolgada, e indiferente à preocupação da colega. — Ainda hoje eu recupero o que é meu... e o que é seu também, se você quiser...

— Bebê... — Letícia deixou escapar em meio a um expiro.

Thalita a encarou, preocupada, a expressão de Letícia parecia com a de quem estivesse prestes a anunciar que um meteoro do tamanho da Lua vinha em direção à Terra.

— Essa munganga tá de rosca. Não tem mais. Aquela cabulosa lá, lembra? A que te deu a chapuletada...

Thalita assentiu com a cabeça, tentando acompanhar a outra. Além de parecer ouvir um idioma desconhecido, Letícia falava rápido demais.

— Pois é, parece que pegou o beco com o dinheiro de todo mundo e...

Thalita precisou de alguns segundos para processar o que Letícia acabara de contar. As duas caminhavam na direção da sala, Thalita se esforçando para compreender a colega que lhe detalhava todos os passos da famigerada Nathália.

Ela fofocou que logo depois da reunião, depois de Raul levar o prêmio consigo para esconder no local onde permaneceria até um dos "bichos" decifrar as pistas e recuperá-lo, Nathália o interceptou armada e levou o baú com ela.

— Não pode ser... — Deixou escapar Thalita, incrédula.

— Foi isso que o tal do Bruno disse ontem durante o arrasta-pé na casa da namorada dele — concluiu Letícia. — Saberia disso se tivesse comigo... Eu te chamei. Você viu?

— Aham... — Thalita concordou no automático...

— Então por que não respondeu?

— Eu respondi que "poderia ir"... — garantiu Thalita enquanto digitava...

— Não respondeu, não! — exclamou Letícia conferindo o celular. — Tá aqui! Espera aí, espertinha...

— Você não acha isso tudo muito estranho? — interrompeu Thalita.

— O quê? Você não responder às amigas?

— A tal da Nathália... — começou Thalita ao ler o relatório sobre a veterana em seu smartphone.

Ela agia como se ter informações pessoais de outras pessoas fosse normal...

— As maiores notas. Com uma carreira promissora pela frente. Por que iria se arriscar por uns trocados?

— Pera! você tem tudo sobre aquela quenga aí!?

— Já o tal do Bruno, não tem o mesmo desempenho — prosseguiu Thalita, alheia à Letícia.

A garota havia entrado em estado remoto enquanto caminhava para a sala de aula, e lia.

— Aliás, ficou de exame no último semestre e vai ter de refazer Português Jurídico este semestre com a gente. O Raul, então... Preso algumas vezes por furtos menores e uso de drogas...

— O que você tem aí sobre mim!? — interveio Letícia, já nem prestava atenção ao que a colega relatava dos veteranos desde que ela começou a falar de Bruno.

— Nada... — disfarçou Thalita, mas já era tarde...

Letícia tomou o celular da amiga e começou a viajar pelas anotações contidas nele. Havia detalhes da vida pessoal e pública de cada um dos participantes do jogo, e dela também.

— Não faz isso... — pediu Thalita, em vão.

— Eiiiita... — admirou Letícia com um sorriso de satisfação que lhe percorria a face toda.

Thalita tentou recuperar seu aparelho mais uma vez, mas desistiu. A interjeição com o "i" estendido de Letícia a fez recuar.

— Tu é mesmo lesada, bebê... Espia? Tá tudo aqui...

— Devolve, Letícia, não fui eu... — tentou argumentar a menina, um pouco mais franzina que a colega, mas o suficiente para dificultar sua reação.

— O quê!? — perguntou Letícia sem tirar os olhos do visor.

A mulher elegante demais para uma aula diurna lia agora algumas passagens de sua infância. Casos que nem ela sabia ou lembrava que aconteceram.

— O que não foi você? — perguntou, desinteressada...

— Deixa... — suspirou Thalita.

Ela havia recebido os arquivos logo depois de seu encontro inusitado com o homem vestido de branco, na Sala de Coquetel D. Pedro I, no Palácio do Itamaraty, por SMS. Neles, havia análises e relatos da vida de todos na universidade, desde o reitor até o faxineiro.

Mas ela só foi se preocupar com isso após quase ser envenenada na semana anterior. Aliás, se não fosse o ataque contra sua vida, nem teria se esforçado tanto para resolver o jogo, e vencê-lo.

Mesmo assim, nunca pensou, até então, que um dos veteranos pudesse ser o responsável por seu "mal-estar".

Ela centrava-se em seus concorrentes.

Assim que saíra do hospital, copiara todas as informações para o Word, e depois as salvou em PDF, separando-as em pastas no cartão de memória. Lera sobre o reitor, uma professora e, claro, seus concorrentes naquele jogo estúpido, inclusive a colega curiosa ao seu lado agora, mas decidiu que seria mais proveitoso se preocupar com as pistas, em resolvê-las, do que bisbilhotar aquelas vidas chatas.

— Bebê... Você é algum tipo de James Bond ou coisa parecida? — sugeriu Letícia, agora um pouco séria.

— Não fui eu... — repetiu Thalita, praticamente montando às costas da companheira para conseguir recuperar o smartphone.

Desistiu.

— Vem, a aula já vai começar — disse por fim...

Thalita arrastou a amiga bisbilhoteira pelo corredor em direção à sala de aula.

Começava a confiar em Letícia?

O troteWhere stories live. Discover now