Trinta & Nove

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Kaila está zangada comigo. Eu meio que entendo que esse é o modo dela de mostrar que se importa, mas só queria que ela calasse a boca e me deixasse sofrer em paz.

Estou deitada de costas para ela,  encarando a parede, enquanto ela insiste que devo sair da cama e fazer alguma coisa. Kai não compreende que não me restam forças para nada. Só quero ficar quieta aqui e evaporar.

Meus pais também estão preocupados, mas eles pelo menos me deixaram em paz. Ainda não contei que não me candidatei a nenhuma outra faculdade. Acho que isso vai piorar tudo, mas me recuso a pensar no assunto. Eu não ligo. Não ligo mais. Já estão todos decepcionados comigo mesmo.

— Você perdeu o baile, perdeu a confraternização e a entrega dos diplomas! Nem aceita a visita dos seus amigos. Isso é ridículo, Lia! Todo mundo está preocupado.

— Não quero ver ninguém. Só quero que você cale a boca — eu imploro, a voz rouca pelo desuso, mirando a parede.

Minha irmã fica em silêncio por um minuto inteiro de alívio. Mas claro que ela não me deixaria em paz tão fácil.

— Eu não acredito que uma pessoa tão inteligente como você, acharia que a vida é fácil. Que teria tudo o que quisesse de primeira.

— Sabe, esse é um péssimo modo de reconfortar.

— Não é isso — Kaila diz. — Quero que você raciocine. Uma coisa que você queria não deu certo, e sim, isso é uma merda, mas vai simplesmente desistir de todo o resto? Vai desperdiçar todo o seu esforço se lamentando?

— E o que você entende de se esforçar? — eu digo para ela. — Desistiu da faculdade, tem um trabalho estável, mas pouco significativo. Age como uma adolescente irresponsável a maior parte do tempo... O que você sabe sobre esforço?

Ouço a porta bater depois disso. Fecho os olhos com força, a vergonha inundando meu corpo por eu ter sido cruel. O silêncio que tanto esperei de repente é agonizante demais.

Saio da cama sem muita certeza do que fazer, mas troco de roupa ainda assim. Com tênis nos pés vou até a cômoda. Meu celular está jogoda na gaveta, desligado desde que recebi aquele e-mail. Eu o ignoro e pego algumas notas, colocando-as no bolso do jeans.

Não tenho ideia de que horas sejam, mas decido sair de qualquer forma. Encontro meu pai sentado no sofá. Ele parece aliviado por me ver de pé e usando algo diferente do pijama.

— Vai sair? — ele pergunta, mesmo sendo óbvio, porque me dirijo para a porta.

Faço que sim, sem muita vontade de falar.

— Com seus amigos?

A esperança na voz dele é como brasa em meu peito. Ele está sofrendo por mim. Estou fazendo mal para todo mundo. Quando eu me tornei essa pessoa tão horrível?

— Sozinha. — Consigo dizer antes de sair.

Não parece ser muito tarde, mas o céu está parcialmente nublado, o ar frio. Eu me abraço, grata por ter colocado uma blusa de mangas compridas.

Caminho sem muita direção por um bom tempo, até chegar ao Sarita. Não tenho pretensão de entrar, mas paro por um momento quando noto o carro familiar estacionando ali perto. Olho em direção as janelas e é com horror que vejo Theodoro Devaze acompanhado com nada menos que Flora.

Eu a vejo rir de algo que ele diz, vejo ele erguer as mãos em brincadeira na frente do rosto, rindo também. Minha cabeça gira. Não, isso está errado. Deveria ser Austin fazendo Flora rir assim. Ninguém mais.

Por azar, Theo vira o rosto em minha direção antes que eu possa sair. Viro de costas rápido, esperando ser ignorada. Mas dou poucos passos antes da voz de Flora me alcançar.

Cada Vez MaisWhere stories live. Discover now