Nove

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Meu reflexo zomba de mim no espelho que cobre toda a parede do banheiro grandioso do restaurante. A primeira coisa que fiz ao chegarmos foi procurar um banheiro para tentar me recompor. Meus olhos ainda estão vidrados e meu cabelo uma bagunça.

Puxo as mangas da camiseta até os cotovelos e abro a torneira, jogando água fria em meu rosto, em uma tentativa de levar a fadiga embora. Eu prenderia meu cabelo, mas não tenho nenhuma liga ou prendedor comigo. Então só faço uma trança malfeita que é melhor que minha juba bagunçada.

Seco os filetes de água que escorrem para meu pescoço com o papel toalha que encontrei. Toalhinhas brancas e  felpudas estão dispostas com perfeição no balcão, mas nem ousei tocar.

— Você está bem. Está tudo bem — repito, me encarando no espelho.

Minhas mãos apertam a borda da pia com força. Odeio isso. Me sentir paralisada, incapaz de me defender. Qual o problema comigo? Por que não consigo ser como todo mundo? Duvido que Kaila ou Flora se manteriam quietas se tivessem em meu lugar. Elas jamais permitiriam que alguém passasse a mão nelas.

— Mas eu não deixei — sussurro, fechando os olhos, ainda sentindo as batidas erráticas do meu coração. — Eu não queria.

Eu não gosto. Eu não gosto.

Pare!

— Pare de pensar! — ordeno-me.

Termino de secar os últimos vestígios de água em meu rosto e jogo a bola de papel molhada na lixeira. Com esforço extremo, mando as lembranças de hoje para o fundo da mente, trancando-a a sete chaves. Se eu não pensar nisso, se eu esquecer, então significa que não aconteceu. Não é?

Uma mulher mais velha sai de um dos reservados. Ela me olha dos pés a cabeça, ultrajada em dividir o espaço com alguém tão simplório como eu.

É de conhecimento geral que a família de Antony (mais especificamente seu pai) possui uma rede de restaurantes de alta classe. O que eu não imaginava era que ele fosse me trazer para cá.

Tentei argumentar com ele, dizer que não me sentiria bem aqui, e que não estava nem vestida para entrar num lugar desses, mas ele ignorou tudo o que eu disse. Passamos sem problemas pela recepção, ele nem sequer se incomodou em perguntar se haveria alguma mesa para nós. Mal olhei ao redor, tamanho o meu constrangimento. Pelo pouco que vi, pude notar paredes de vidro, plantas naturais distribuídas para harmonizar com as cores frias do lugar e mesas. Muitas mesas.

Perguntei sobre o banheiro ao primeiro funcionário que passou por mim, e agora estava aqui, sendo julgada por uma senhorinha.

— Emilia — A voz de Antony chega abafada pela porta grossa.

— Já estou indo — grito uma resposta, destrancando a porta e dando de cara com ele. Antony está de braços cruzados, apoiado na parede ao lado, seu corpo impedindo a passagem. — Desculpe, acho que demorei demais.

— Não tem pressa, eu só vim ver se você está bem.

Apenas aceno com a cabeça e ele repete o gesto. Seguimos o corredor, voltando para o salão onde todas as mesas estão ocupadas. Antony vai contornando-as e só vou seguindo atrás. Ele cumprimenta alguns clientes e atendentes, sempre simpático. Fico embasbacada quando entro no elevador, mas nada digo.

No térreo o clima está mais tranquilo, consigo ouvir música clássica tocando baixinho. Há algumas mesas vazias. Antony me leva até uma das mais afastadas. A luz é mais amena, e o céu estrelado deixa tudo mais surreal. Mal sentamos e já aparece alguém para nos atender. Eu nem vi de onde essa moça saiu.

Cada Vez MaisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora