Vinte & Dois

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Acordo com o som. Olho desorientada para os lados, percebendo que já está anoitecendo.

Eu tinha tomando um banho, preparado alguns sanduíches para comer e ido deitar assim que cheguei em casa. Não era minha pretensão dormir a tarde toda, mas a realidade era que eu precisava mesmo de um bom descanso.

Quando consigo prestar mais atenção, noto a música.

Meu coração enche, preenchido com a melodia, a batida... Era uma das músicas preferidas do meu avô. Fecho os olhos com força.

E, de repente, sou uma garotinha outra vez.

Uma garotinha de cinco anos, com os pés sob sapatos gigantes, rodopiando nos braços do avô, enquanto ele cantarola a música.

Uma garotinha crescida de dez anos que já conhece a letra da canção e agora o acompanha, rindo com o restante da família reunida, enquanto vovô requebra o quadril em uma imitação não muito boa da coreografia de Elvis Presley.

E uma menina de treze anos que recusa seu pedido de dança. Que recua de sua mão estendida e se tranca no quarto...

Eu nunca mais dancei com meu avô depois disso. E agora nunca mais poderia.

Seco as lágrimas que deslizaram pelo meu rosto com o dorso da mão, e salto da cama para descobrir de onde a música vêm. A medida que me aproximo da cozinha o som vai se intensificando, e dou de cara com meus pais juntos, preparando o jantar. Ele a pega de surpresa e a gira, então mamãe ri, recebendo um beijo carinhoso.

As lágrimas rolam soltas pelo meu rosto agora, e já não faço questão de as segurar. Eu engasgo uma respiração, e é o suficiente para que eles me notem aqui, parada e confusa na entrada da cozinha. Minha mãe me lança um olhar com carinho pesaroso e se aproxima para me dar um beijo na bochecha. Eu encaro a figura embaçada de meu pai, ele seca as mãos em um pano de prato e vem para perto de mim.

Ele toma minha mão e dança comigo. Eu soluço em seu peito enquanto ele nos balança devagar, de um lado para o outro.

— Sinto falta dele — confesso.

— Eu também, querida, eu também. Desculpa por não ter pensado que você iria ficar chateada com o cancelamento do passeio. Mas não precisamos de uma tradição de verdade para lembrarmos dele, filha. Ele vai estar sempre conosco. — Papai beija meus cabelos e me aperto mais forte contra ele.

Então Kaila surge na cozinha, aumentando o som, cantando desafinada, e me puxa dos braços de papai. A música repete outra vez, e ela me gira, gira e gira. E eu rio e choro e sou transportada para uma época onde tudo era mais simples.

I wanna stick around awhile and get my kicks! Let's rock, everybody, let's rock. — ela canta, segurando minhas mãos e me fazendo se mexer.

Quando a música termina, Kai busca pela estação de rádio que vovô gostava de ouvir. Vou ao banheiro lavar o rosto, e, quando me acalmo, volto à cozinha para ajudar a terminar o jantar. E trabalhamos juntos, embalados pelas lambanças de vovô.

Eles me perguntam se estou bem pela décima vez, e digo que sim. Sim, ficarei bem. Pode não ser uma verdade completa, mas, pelo menos, me sinto melhor.

Depois do jantar, Kaila me arrasta para o quarto para ajudá-la a escolher o que levar com ela para a casa do Tyler. Ela não aceita nenhuma das minhas sugestões, presumo que só queira me distrair.

— Vocês estão namorando? — eu pergunto, observando-a guardar uma muda de roupa e alguns acessórios numa mochila.

— Não namorando, namorando, mas temos alguma coisa, sim — ela diz.

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