Capítulo 35

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Érica atendendo ao pedido de Júlia foi até o escritório dela. Pondo apenas a cabeça para dentro da sala, pediu licença para entrar.

— Entre e sente-se, Érica. — Disse Júlia apontando para a cadeira vazia à sua frente. — Obrigada por ter vindo, espero não estar atrapalhando.

— Sem problema. E eu precisava mesmo falar com você. — Respondeu ela sentando-se.

Júlia sorriu para a amiga. Érica vestia uma calça jeans e a farda da loja Júlia Variedades. Ela era agora uma de  suas funcionárias. Júlia havia se surpreendido quando ela lhe pedira quinze dias antes uma vaga na loja.

— Ah, é, e sobre o quê? — Júlia franziu o cenho.

— Fala você primeiro. Vi que você tá um tanto apreensiva.

— Estou mesmo, Érica. Por isso chamei você.  — Disse Júlia dando um meio sorriso.

— E do que se trata?

Júlia ficou vermelha. Não queria tocar num assunto tão íntimo, mas Érica no momento era a melhor pessoa com que podia conversar.

— Você sabe que eu e o Mauro estamos  namorando...

— Quem não sabe. Vocês não se desgrudam. Daqui a pouco tenho certeza que ele deve estar chegando aqui, está quase na hora do almoço. — Disse Érica revirando os olhos.

Júlia não pôde conter um sorriso de satisfação. Sim, sempre que podiam estavam juntos. Mauro não era só um bom amigo, era um excelente namorado. E ela se apaixonava por ele cada dia mais.

— Hoje nós estamos fazendo um mês de namoro.

— Já? Como passa rápido, né? – Júlia assentiu  com a cabeça.

— Pois, é. E o Mauro me convidou pra jantar no Palácio Gourmet... pra comemorar.

— Mas isso é ótimo. Você não tá feliz?

— Sim, eu estou feliz, feliz demais. E é esse o problema.

Érica arregalou os grandes olhos castanhos.

— Como estar muito feliz  pode ser um problema?

Júlia suspirou.

— No meu aniversário o Mauro me convidou pra jantar no mesmo restaurante. E eu fiquei tão empolgada, você lembra, né? Fiquei cheia de expectativas. E acabou que o Mauro esqueceu a data...

—  Júlia, o Mauro tá babando por você. Qualquer um ver isso. Não entendo a preocupação.

— Eu sei que o Mauro gosta de mim, o problema não é esse.

— É qual é? Não estou te entendendo.
Júlia titubeou um pouco, enxugando as mãos em uma toalha. E sem olhar para Érica disse:

— É que nós ainda não... como eu vou dizer isso? – Júlia engoliu em seco. — Nós não tivemos relações.

Érica não pareceu surpresa. Na verdade conteve um riso. E tentou acalmar sua amiga, que embora tivesse sua idade às vezes agia como uma adolescente.

— Júlia, o Mauro te conhece desde menina. Ele só está respeitando você. Esperando o seu momento, entendeu? — Então, Érica sussurrou como se houvesse mais alguém na sala — Você já pensou que ele pode achar que você queira esperar até o casamento?

—  Você acha?

— É o que você quer, não?

Júlia balançou a cabeça em negativa massageando a nuca.

— Eu estou tão bem com ele, que realmente nem pensei nessa possibilidade. Acho que você está enganada, Mauro não quer se casar. Ele é avesso a casamento. E se por acaso for por outro motivo?

— Que outro motivo seria?

— E se ele não me desejar suficientemente.

— Você acha que ele não a deseja?
Júlia corou lembrando dos beijos, dos afagos, das carícias, das palavras de amor. Não, não podia ser isso. Mauro a queria, ela sabia disso. Então por que não fazia amor com ela?

— Sei que sim.

— Então, mostre para ele que vocês já podem passar para outro nível, para uma relação mais íntima.

— Eu não sei se quero tocar nesse assunto. Gostaria que partisse dele. Mas acho que ele me colocou num pedestal, que acha que sou de cristal e posso quebrar.

Érica riu alto. Júlia a repreendeu com um olhar.

— Mostre para ele então que não é de cristal. Que é uma mulher apaixonada e louca para fazer amor com ele. Mostre com ações, tenho certeza que Mauro é o tipo de homem que entende os sinais. Hoje é uma boa oportunidade.

Júlia assentiu  com a cabeça. Sim, Mauro não fugiria dela aquela noite. Faria amor com ele.

— Obrigada, Érica. Eu precisava mesmo conversar com alguém. Agora me diga, o que deseja?

Erica ajeitou a postura. E tentou falar o mais sério que pôde. Júlia notou o esforço da amiga, e talvez já imaginasse o que viria a seguir.

— Júlia, a inauguração da Júlia variedades do Shopping está próxima. Será que você não poderia pensar no meu nome para gerente?

Júlia respirou fundo e sorriu para a Érica, tocando-lhe na mão gentilmente.

— Érica, na verdade, eu já tenho um nome em mente. É uma funcionária que trabalha conosco algum tempo, que já auxilia em assuntos administrativos. Mas veja bem, você está na loja há apenas duas semanas e já é uma das melhores vendedoras. Tenha um pouco mais de paciência, e quem sabe quando eu abrir uma outra filial ainda no ano que vem, eu não possa pensar no  seu nome. 

Érica balançou a cabeça afirmativamente.

— Desculpa, Júlia eu não devia ter vindo pedir isso. Sei que tem pessoas aqui na loja que merecem muito mais esse cargo. E eu tenho aprendido tudo muito rápido, quem sabe, como você disse, eu não possa ter uma promoção mais cedo do que o esperado? Ano que vem eu já estou até pensando em voltar pra faculdade.

— Mais isso é muito bom, fico feliz. – Júlia respondeu com sinceridade.
Érica forçou um sorriso, estava  triste e Júlia sentiu-se mal por isso. Na verdade estava orgulhosa de sua amiga, não queria vê-la assim. Mas ela precisava ganhar mais experiência, e para isso a ajudaria no que fosse possível.

De repente Érica enxugou uma lágrima com as costas das mãos e Júlia pensou que a tristeza dela poderia ter algum outro motivo.

— Érica, está tudo bem?

— Eu estou bem, o problema é que...

— Qual o problema?

— Eu estou tão bem com o Beto, sabe? Mas a mãe dele me ver como uma desocupada inútil. Quando ela perguntou minha profissão, e eu disse que não trabalhava, ela torceu o nariz, do alto do seu cargo de juíza aposentada. E você sabe que eu não aguento desaforo, mas me senti tão mal que no dia seguinte vim aqui te pedir emprego. — Ela respondeu com a voz manhosa.

— Então foi por isso?

— Sim. Queria mostrar aquela velha arrogante que eu posso trabalhar se quiser. E sabe, eu tô até gostando de acordar cedo e vir pra loja. Estou dando o meu melhor.

— Eu sei que está. Ouça, Érica, eu quero que saiba que pode contar comigo para o que precisar, está bem? Quanto a faculdade, procure um curso que você goste, que você tenha prazer em fazer. Não se sinta pressionada por ninguém. Você é dona do seu nariz e mais do que ninguém sabe o que é melhor pra você.

Érica concordou com um movimento de cabeça. Na verdade sempre viveu as custas de seus pais e isso nunca havia sido um problema. Mas trabalhar na loja estava sendo uma boa experiência. Era um ambiente agradável, as pessoas trabalhavam satisfeitas e o salário era bom.

Não precisava provar nada pra ninguém, mas no fim das contas sentia que tinha tomado a decisão certa.

— Obrigada, Júlia.
 

Doce JúliaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora